Sexo

Prazer: Devoção ou Pecado?

As religiões influenciam os princípios e os valores das sociedades. Definem estilos de vida, enunciam códigos que determinam aspetos importantes do dia a dia dos seus crentes. Um desses aspetos é, inevitavelmente, a sexualidade. Em Portugal, a maioria de nós está mais familiarizada com os valores cristãos. No entanto, outras religiões, entre as quais o Islamismo, ainda são pouco conhceidas por muitos.

Inês Gonçalves, Nuno Ferreira, Joana Campinas e Margarida Quinhones.

Senhora negra com lenço na cabeça, possivelmente religioso

Os preconceitos contra o islamismo sempre existiram, mas têm-se vindo a acentuar desde 2001, com o atentado contra o World Trade Center, em Nova York, pelo grupo terrorista Al-Qaeda. Se olharmos para a própria cidade de Lisboa, onde encontramos traços da História de Portugal, vemos, por exemplo, a Mouraria, um dos pontos turísticos mais importantes da capital, que simboliza a segregação dos muçulmanos desde os tempos de D. Afonso Henriques. A questão sexual, por exemplo, é alvo de diferentes interpretações , com frequência, erradas por desconhecimento.

Será que há uma diferença assim tão acentuada entre as religiões no que respeita à sexualidade? Ou será que existem mais elos de ligação do que se imagina?  Para entender as diferenças entre as visões da sexualidade entre religiões, falámos com o professor Paulo Mendes Pinto, especialista em História das Religiões, assim como com o Sheikh David Munir, o imã da Mesquita de Lisboa.

Prazer com regras: é possível?

Como explica o Sheikh Munir, a conduta islâmica é guiada por dois livros sagrados: o Alcorão e a Sunnah. O Alcorão é um livro de referências, diz o que se tem de fazer, mas não explica necessariamente como fazer. Na Sunnah estão descritas as práticas do profeta Muhammad, que é visto, no Islamismo, como o último mensageiro de Deus e que demonstrou a prática sagrada no seu dia-a-dia. “Por exemplo, o Alcorão diz para nós orarmos, mas como orar? Ficar de pé, inclinado, sentado, o que recitar nas orações? O Alcorão diz para tomarmos o banho [após a intimidade ou depois de terminar o período menstrual], mas o como se deve fazer vem das tradições do profeta. É muito importante para nós muçulmanos termos essas duas fontes à nossa frente, que são sagradas, para orientarmos o nosso dia-a-dia”, explica o Imã.

Assim, o que é que os livros sagrados dizem sobre a intimidade? Em primeiro lugar, o casamento é obrigatório para que se possa ter relações sexuais. Segundo o Sheikh, “Sexo não é só reproduzir. Nós, homens e mulheres, precisamos dele, temos essa necessidade, e Deus disse que sim. Fechou todas as portas e abriu só uma, através do casamento. Esta proibição não é porque vai prejudicar Deus, é para salvaguardar a honra da mulher.” De facto, ao contrário daquilo que muitos podem pensar, a religião islâmica, de acordo com os livros sagrados, mostra uma grande preocupação com a mulher muçulmana. “Há um versículo do Alcorão que diz que as mulheres muçulmanas são vestes para eles e os homens são vestes para elas, portanto, complementamo-nos num todo. O vestuário é uma forma de nós não só cobrirmos o corpo, mas também taparmos a nossa intimidade, as partes que não queremos mostrar. Portanto, se você vê algum defeito no marido ou na mulher, não revela, conversa. Tenta tapar, tenta conversar, tenta resolver, de forma a que ambos se possam entender.” O homem deve preocupar-se tanto com o prazer da sua esposa como a mulher se deve preocupar com o prazer do marido. É também importante referir que, enquanto estiver menstruada, a mulher não é obrigada a orar nem a realizar o jejum, uma prática comum no período chamado Ramadão, que ocorre no nono mês do calendário islâmico (Hijri).

O Hijri é um calendário lunar. O ano islâmico tem 354 ou 355 dias, agrupados em 12 meses lunares. A referência deste calendário é o ano em que o Profeta Muhammad e os seus seguidoresmigraram de Meca para Medina (situadas na atual Arábia Saudita) e estabeleceram a primeira comunidade islâmica (ummah). “Hijri” é um termo derivado da palavra hijra, que significa migração. O ano islâmico em vigor é 1445.

Ainda nesta questão do prazer, o professor Paulo Mendes Pinto veio, na sua entrevista, apresentar mais um facto curioso e pouco conhecido. Segundo o mesmo, “há vários Hadiths que dão autorização à mulher para pedir o divórcio se ela não tiver prazer sexual. Isto é, lá está, é natural ter prazer sexual. O prazer sexual, quer para o homem quer para a mulher, são iguais, em qualquer dos casos, o prazer sexual faz parte de uma dimensão de dádiva, não só uma dádiva para com o outro, mas até dádiva para com Deus.” Finalmente, acrescenta que, em diversos textos sagrados, o prazer é elevado quase ao nível da oração

No entanto, há certas coisas que são proibidas. O sexo oral, sexo anal e sexo durante o período menstrual da mulher não são recomendadas pelo islão. Como explica o Imã, “cada órgão tem uma função. Se nós trocarmos as funções, pode prejudicar a nossa saúde. Eu não vou colocar um órgão por onde sai sujidade na boca de uma mulher, e vice-versa. É mais por higiene. Portanto, cada órgão que nós temos, tem a sua funcionalidade. A intimidade vaginal. Agora (…) não está específico que o homem está por cima da mulher. A posição que você quiser, a hora que você quiser, o dia que você quiser, o momento em que você quiser.” Isto acontece porque, quando fluidos como a urina, o sangue ou o esperma saem do corpo, quebra-se a chamada abulação –  o banho que os muçulmanos devem tomar antes de qualquer oração, para se manterem limpos. Também após o sexo se deve realizar este banho. É, inclusive, por esse mesmo motivo que não se deve ter relações durante o período menstrual da mulher. “Pode estar com a sua mulher, pode conversar com ela, pode mimá-la, pode dar um beijinho, ela não é considerada impura, não é preciso afastar-se dela. No islão, pode-se fazer tudo durante a mestruação menos a intimidade”, reforça.

O professor Paulo Mendes Pinto apresenta, também, os conceitos de lícito e ilícito, halal e haram. De acordo com o investigador, no cristianismo, temos a ideia do pecado original de Adão e Eva, da queda do paraíso. No islão isto não acontece, fazendo com que a sexualidade e a expressão da mesma entre um homem e uma mulher, casados, sem que se tenha infringido as regras enunciadas acima, seja completamente lícita. Nas palavras do professor: “a relação sexual considerada lícita (…) não tem praticamente quaisquer limites.”

Sexo: tabu?

Mas será que o sexo é encarado pelos muçulmanos sem restrições? Ou é considerado tabu? A resposta do Sheikh Munir é “depende”. Os tabus são elaborados pelas pessoas e pelas tradições, ou pelos hábitos ou porque a pessoa não gosta, portanto não quer ouvir. Há famílias que falam abertamente sobre a sexualidade, e há famílias que não. Mesmo assim, é importante transmitir informação sobre este tema. “O islão fala sobre isso, desde que haja respeito.” Um dos aspetos mais relevantes em relação à sexualidade é a higiene, pois a sexualidade não é só a intimidade. Por exemplo, a remoção dos pêlos das axilas e das partes íntimas é recomendada.,Há que informar os crentes muçulmanos, sobretudo os jovens que entraram na puberdade e que começam a sentir a sexualidade de outra forma. Para tal, a mesquita disponibiliza um professor para explicar estes aspetos aos rapazes e uma professora para os explicar às raparigas. “Se uma senhora explicar a um rapaz, ele pode não se sentir muito à vontade, e vice-versa.”

Já Paulo Mendes Pinto, na sua visão de investigador, diz que, embora não existam tabus claramente ditos, existe a questão das coisas ilícitas. Entre estas, podemos destacar algocomo a já mencionada proibição de todos os tipos de sexo que não o vaginal, assim como a relação fora do casamento e a relação homossexual. No dizer  do professor: “A palavra certa para usar não é propriamente “proibido”. É o que é lícito e o que não é lícito, o que é puro e o que é impuro. Portanto, há aqui um que religiosamente é considerado impuro, é a relação sexual fora do casamento e a relação homossexual. E isto acontece em todos os países que praticam a religião, visto que, mesmo sendo em países diferentes, os escritos não mudam, apenas podem ser interpretados de maneiras mais ou menos extremas.

A faixa de áudio é uma compilação das respostas de uma muçulmana revertida (jovem de 26 anos, que não nasceu numa família muçulmana, mas que escolheu converter-se ao Islão). Desconstroi-se o mito em torno da “mulher oprimida”, mostrando como o uso do hijab tem o potencial de libertar a mulher da pressão social dos padrões de beleza, ao mesmo tempo que a valoriza pelas suas capacidades intelectuais, emocionais e de carácter  moral.

Conclusão

Neste artigo apresentámos algumas ideias acerca da forma como a religião islâmica encara a sexualidade, numa tentativa de desfazer alguns preconceitos que julgam de forma apressada e com desconhecimento as conceções existentes.