DEMOCRACIA

Populismo, o inimigo da democracia?

"Populismo, o inimigo da democracia" é uma infografia que mostra de que forma os partidos nacionalistas e populistas se têm vindo a afirmar nos últimos anos, de um ponto de vista global. Este tipo de abordagem política, que está frequentemente associado a ideologias extremistas e que coloca em causa a saúde da democracia, é já uma realidade na Europa. O trabalho conta com a participação de José Duarte, vereador em Cascais, que esteve presente no Fórum Mundial pela Democracia, e do jornalista Francisco Sena Santos, assim como com o suporte de vários gráficos realizados por instituições que participaram nesse mesmo evento, como é o caso do Epicenter, “the European Policy Information Center”.

Diogo Marques, Rodrigo Caroço, José Almeida

Número de países com partidos populistas no governo desde 1946 a 2023
Fonte: Epicenter

Definir o conceito de populismo pode ser desafiador e dar aso a diferentes interpretações, não havendo propriamente um consenso acerca do termo.

Andreas Johansson Heinö, diretor editorial do think tank sueco Timbro e doutorado em ciências políticas na Universidade de Gotemburgo, destaca alguns aspetos em comum ao longo do relatório “Authoritarian Populism Index”. Heinö refere que, do ponto de vista económico, a variação das ideologias é “significativa” e que, na prática, o posicionamento dos partidos populistas à esquerda ou à direita não passava de uma distração para a narrativa principal: o povo contra a elite.

É característico destes partidos, tanto à direita como à esquerda, opor “o povo”, como muitas vezes é referido pelos lideres partidários, contra uma elite, que é conotada de corrupta e controlada por “interesses escondidos”, sendo eles o globalismo, o capitalismo e, “no caso da ala direita populista”, o multiculturalismo.

Numa perspetiva social e cultural, destacam-se algumas mudanças entre os partidos rotulados de populistas de esquerda e direita.

De acordo com o estudo Authoritarian Populism Index 2024, do qual foram destacados 60 partidos em todo o continente europeu, 17 são classificados como moderados, 11 como progressistas e 32 como conservadores no que toca a problemas sociais. Na prática, segundo o autor, todos os partidos considerados de direita têm uma política conservadora referente a assuntos socioculturais, enquanto os partidos de esquerda populista se dividem em três posicionamentos políticos: progressistas, moderados e conservadores.

Francisco Sena Santos é um dos entrevistados que partilha um pouco do seu conhecimento e da sua experiência profissional a respeito da ascensão do populismo que se tem vindo a registar. O jornalista e docente prestou algumas declarações acerca do tema, começando por afirmar que “os partidos tradicionais não estão a dar resposta às necessidades das pessoas”, e que este é um dos principais motivos para a escalada de novos partidos populistas. O mesmo reiterou ainda que sente um “vazio de lideranças” num sentido global.

Introdução – Ascensão do populismo, Sena Santos
Média de suporte dado ao populismo autoritário na Europa desde 1946 a 2023
Fonte: Epicenter

Na Europa, tem-se verificado uma forte inclinação para a adoção de políticas populistas, tal como consta no gráfico. Desde o ano 2000, o suporte eleitoral dado ao populismo autoritário mais que duplicou até 2023, tendo passado de 12.88% (2000) para 26.88% (2023). Atualmente, de acordo com o API 2024, a Europa conta com a participação de partidos populistas no governo em oito países diferentes: Hungria (FIDESZ), Itália (Lega per Salvini Premier e Fratelli D´Italia), Espanha (PCE), Eslováquia (SMER e Slovenska Narodna Strana), Eslovénia (Levica), Finlândia (Finns Party); Suíça (SVP) e Roménia (PSD) – o que representa o menor nível de participação governamental desde 2014, abaixo dos 15 países em 2019.

De notar, também, que Portugal se encontrava, na altura do lançamento do estudo, em março de 2024, no antepenúltimo lugar num gráfico referente ao apoio ao populismo por parte das populações – dado que provavelmente terá mudado face ao resultado das últimas eleições legislativas. Por outro lado, no topo da lista, encontram-se Hungria, Itália, França, Grécia e Polónia.

Média de suporte dado à esquerda e direita radicais desde 1946 a 2023 Fonte: Epicenter

O gráfico apresentado representa a evolução dos partidos radicais de esquerda e de direita, desde o fim da Segunda Guerra Mundial até ao ano de 2023. Deste modo, é percetível uma inversão da popularidade, sendo esta o reflexo da vitória do capitalismo sobre o comunismo, aquando do período de tensão geopolítica entre a URSS e os EUA. Tendo por base a data da renúncia de Mikhail Gorbachev, a 26 de dezembro de 1991, considerada como o fim da Guerra Fria, verifica-se que, até aos anos 90, os partidos de esquerda lideravam a escala de popularidade, chegando aos 11% de apoio eleitoral no final da década de 1980.

Porém, daí em diante, os partidos de direita assumiram a frente desta disputa, encontrando-se, em 2023, com aproximadamente o triplo do suporte obtido relativamente à década de 90 (2000 – 5.72%; 2023 – 17.39%)

Atualmente, regista-se uma descida constante do apoio à esquerda radical, enquanto os partidos autoritários de direita ganham cada vez mais força, muito por conta do mediatismo em torno da questão da imigração, tal como refere Sena Santos.

Note-se, ainda, que, no caso português, de acordo com o estudo Authoritarian Populism Index 2024, tanto o Chega (direita radical) como o PCP (esquerda radical) apresentam uma credibilidade democrática baixa.

Imigração e Populismo, Sena Santos

Fórum Mundial pela Democracia

Cartaz Fórum Mundial pela Democracia Fonte: Câmara Municipal de Cascais

A nível internacional, um dos eventos mais pertinentes associados à questão democrática é o Fórum Mundial pela Democracia, no qual são debatidos anualmente os principais desafios da democracia, e discutidas diversas iniciativas que visam a sua evolução. A reflexão sobre o sistema democrático referente ao ano de 2024 teve lugar em Estrasburgo, em França, de 6 a 8 de novembro, e o tema escolhido foi “Democracia e Diversidade – Podemos transcender divisões?”.

A 12ª edição do Fórum Mundial pela Democracia contou com a presença de inúmeros responsáveis políticos, ativistas, académicos e, até mesmo, representantes da juventude, entre eles, o vereador da câmara municipal de Cascais, José Duarte. Para além de ter participado de forma ativa num dos momentos de destaque da sessão – “How can diversity be promoted at local level” – ao apresentar o Sistema de Participação Cidadã de Cascais, José Duarte assistiu também à discussão de determinados fatores que polarizam a opinião pública e aprofundam as divisões sociais.

O representante do concelho de Cascais comentou as constantes ameaças provocadas pela desinformação e o modo como as diferentes narrativas políticas durante os processos eleitorais contribuem para o “florescimento do populismo”, reforçando a sua ideia dizendo que existe, apesar de tudo, uma crença no regime democrático, porém, uma descrença nos líderes partidários.

Além disso, o Fórum Mundial pela Democracia deu voz a alguns representantes,

que conseguiram captar a atenção e o interesse da audiência presente na sede do Conselho da Europa, por meio de palestras inspiradoras, das quais José Duarte destaca uma em particular.

Palestra sobre a representante ucraniana, José Duarte

A reunião incluiu também o debate de um dos principais eixos da edição, o envolvimento do cidadão na renovação da democracia, tendo sido avaliada a forma como as instituições democráticas procuram promover e representar a diversidade. Nesse sentido, foram analisadas e apresentadas novas iniciativas que visam o combate ao pensamento binário e a abertura de um espaço de diálogo construtivo, com base na compreensão e educação política dos mais jovens.

Educação democrática no ensino grego, José Duarte

Papel do jornalismo na manutenção da democracia

O jornalismo é, também, por si só, um pilar da democracia, tendo um papel central no combate à desinformação e na desmistificação dos discursos populistas e anti-elitistas. De acordo com Francisco Sena Santos, existe uma crise globalizada nesta área. O jornalista atribui a culpa não só à desqualificação crescente no meio, como também à “digitalização”, que coloca em causa “o negócio”.

Sena Santos critica, ainda, o excesso de opiniões “pouco sustentadas” no meio mediático, referindo que nos dias de hoje “há ativistas para tudo”, o que condiciona o pensamento coletivo.

De forma a solucionar este problema, o professor propõe que a prática jornalística se torne mais interventiva…

Como pode o jornalismo ser mais interventivo?

“Não quero que o jornalismo me diga o que é que devo pensar. Eu quero que o jornalismo me dê bases rigorosas para poder decidir.”

– Francisco Sena Santos

A mensagem é clara. Numa altura em que os extremismos ganham voz a nível global, é importante que não se esqueça qual é a missão do jornalismo. Não se pede aos jornalistas que combatam estas forças, mas que nos informem acerca do que estas tendências representam, na íntegra, para as democracias atuais. É importante que a opinião não seja o principal veículo de informação no sistema mediático. Pede-se, mais do que nunca, que os jornalistas saiam às ruas, que documentem, que relatem. No fundo é, e tal como diz Francisco Sena Santos: “contar, contar, contar, investigar, investigar, investigar”.