Revolta

Editorial

É costume pensar em revolta como um movimento negativo ou violento. Todavia, para Albert Camus, a revolta vai além da negação: «O que é um homem revoltado? Um homem que diz não. Mas, se ele recusa, não renuncia: é também um homem que diz sim desde o seu primeiro movimento» – Albert Camus, O Homem Revoltado

Catarina Vozone e Gabriel Miraldo

O significado da palavra revolta é bastante mais abrangente do que imaginamos. Na agricultura, por exemplo, chama-se revolta à segunda lavra, ou cultivação, feita perpendicularmente à primeira. O facto de se chamar revolta a um desfazer de algo que já tinha sido feito — neste caso, a primeira lavra —, e a um refazer no sentido oposto, a segunda lavra, faz-nos pensar como no conceito de revolta está sempre implícito um rasgar com algo previamente definido ou sistematizado.  

Os dicionários não só equiparam revolta a motins e rebeliões, revolta pode significar um sentimento de reprovação ou uma grande perturbação moral. As revoltas que não se manifestam em movimentos físicos foram aquelas que mais fizeram pela evolução: as revoltas no pensamento. Aqueles que, durante 48 anos de ditadura e de opressão, resistiram a alienar-se ao pensamento conservador do regime e a aceitá-lo; as mulheres iranianas que recusam os vários tipos de violência que o governo iraniano exerce sobre elas; as pessoas trans que refutam serem invisibilizadas pelo sistema; são estes alguns exemplos daqueles que implementaram a mais difícil das revoltas: as revoltas de valores.

«Nem todo valor acarreta a revolta, mas toda revolta invoca tacitamente um valor», Albert Camus, O Homem Revoltado. 

Como refere Camus, a revolta é um grande movimento de criação de valores. Daí a necessidade de pensarmos um conceito mais vasto, uma noção de revolta que seja capaz de perceber o sentido que uma recusa é capaz de criar.

Como futuros jornalistas, no cerne do nosso trabalho está, e terá sempre de estar, a liberdade. A liberdade em Portugal foi conquistada através de uma revolta. Em Abril de 1974, deu-se início ao processo de criação de valores, pelos quais, passados 47 anos da aprovação da Constituição da República Portuguesa, ainda somos regidos. 

A nossa edição aborda precisamente isto: a criação de valores, agora no presente. Cada uma das seguintes histórias explora um sentimento de revolta único, ligado à experiência em sociedade, e, por isso, aos valores que todos partilhamos, mas que todos percebemos de formas diferentes.