Tempo

Editorial

A palavra tempo tem origem no latim tempus e o seu uso é comum às línguas românicas. Usamo-la com frequência para falar da duração de um instante ou para nos expressarmos acerca dos processos atmosféricos.

Comentamos se algo aconteceu há muito, há um ano, ontem, no minuto passado ou se este ar morno e húmido de outono está de acordo com a previsão habitual do tempo para os meses finais do ano.

Para lá deste uso mais comum que nos ajuda à vivência em comunidade, podemos encontrar outros sentidos para a palavra, com frequência presente nos mitos da criação e nas narrativas poéticas. Usadas de forma sábia, as palavras do poeta apresentam infinitos sentidos perante a nossa perplexidade pelo desenrolar do mistério da vida.

E por Vezes
E por vezes as noites duram meses 
E por vezes os meses oceanos 
E por vezes os braços que apertamos 
nunca mais são os mesmos    E por vezes 

encontramos de nós em poucos meses 
o que a noite nos fez em muitos anos 
E por vezes fingimos que lembramos 
E por vezes lembramos que por vezes 

ao tomarmos o gosto aos oceanos 
só o sarro das noites      não dos meses 
lá no fundo dos copos encontramos 

E por vezes sorrimos ou choramos 
E por vezes por vezes ah por vezes 
num segundo se evolam tantos anos 

David Mourão-Ferreira, in ‘Matura Idade’ 

Nesta edição da revista, quatro histórias propõem-nos uma reflexão sobre o efeito que uma mudança determinante e significativa na vida pode ter na noção de tempo.  Apresentamos uma jovem que optou pela vida silenciosa de um convento e uma outra que, apesar da doença e da gravidade das consequências que teve nos seus planos de futuro, continua a viver, recomeçando sempre.

A terceira história leva-nos a refletir sobre a necessidade e o poder de antecipar o futuro, apoiados em crenças que estão para lá da ciência. A fechar, uma reflexão sobre a vida “normal”, pensada, projetada e planeada e a impermanência que a interrompe e nos torna conscientes do mistério do futuro.