CIDADANIA
Entre frustração e ação: os ativistas climáticos e a cidadania
As ações realizadas pelos ativistas radicais no combate às alterações climáticas são um tema recorrente e polémico para a sociedade no geral. Mas, afinal, quais são as verdadeiras motivações destes ativistas? O que os leva a recorrer ao radicalismo? E, no final, será que entre a frustração há espaço para a ação? Falamos de frustração porque, sem dúvida, este é um sentimento que faz parte do dia a dia de um ativista climático, já que as ações de que fazem parte não têm os resultados de mudança pretendidos.
Catarina Oliveira, Jéssica Silveira, Liliana Braz, Marta Rocha
Glossário
- Cidadania: Diz respeito à condição do indivíduo enquanto membro de um Estado, constituindo-o como detentor de direitos e deveres perante esse Estado. A cidadania também é o exercício dessa condição, através da participação ativa na vida cívica, pública e política de uma comunidade.
- Ambientalismo: Diz respeito a movimentos sociais que visam a defesa do meio ambiente lutando por medidas de proteção do mesmo.
- Ativismo: É uma forma de cidadania que procura defender e lutar por uma causa que pode ser manifestada de várias formas.
- Radicalismo: Posição adotada por quem deseja reformas profundas e imediatas na organização social, indo, por isso, à “raiz” do problema procurar possíveis alterações absolutas a fazer na questão que causa danos.
- Ativismo radical: É uma forma de ativismo no sentido em que as ações e intervenções afetam de forma mais direta a individualidade de cada um dos cidadãos.
- Ação direta: Segundo o grupo Climáximo, uma ação direta é uma ação política que confronta os responsáveis por crimes ambientais ou testemunha um problema ambiental em desenvolvimento onde “os ativistas “dão o corpo ao manifesto” para interromper o business-as-usual”, concluem. (https://arquivo.climaximo.pt/glossario-de-ativismo-climatico/).
- Desobediência civil: Consiste numa ação de desrespeito à lei em vigor, mas que, geralmente, visa promover justiça social, visto que se dá quando alguém ou um grupo entende que determinada lei (ou ausência da mesma) produz injustiça.
A esfera do ativismo climático
Nos dias de hoje, existem várias formas de exercer a cidadania, como: votar, participar em atividades que promovam a melhoria da sociedade, realizar manifestações, participar em reuniões da Câmara, fazer parte das assembleias de condomínio e ser ativo na comunidade escolar. Então, por que razão alguns cidadãos sentem que precisam de ultrapassar essas formas de exercer a cidadania e recorrer ao radicalismo para serem ouvidos?
“Entre frustração e ação: os ativistas climáticos e a cidadania” é um artigo multimédia que pretende “abrir os horizontes” e explorar mais além do que aquilo que achamos que já conhecemos sobre o ativismo climático.
Em Portugal, o Climáximo sagra-se como um dos grupos de ativistas mais conhecidos. Desde 2015, que os estudantes e os trabalhadores deste coletivo têm como principal objetivo lutar pela justiça climática. Cientes das suas ideias e convicções, afirmam que, neste momento, “não estamos apenas numa emergência global, estamos em guerra” (https://arquivo.climaximo.pt/) e “ou mudamos tudo, ou o clima mudará tudo aquilo de que dependemos para a nossa sobrevivência.” (https://arquivo.climaximo.pt/glossario-de-ativismo-climatico/)
As ações diretas, como obstruções e ocupações, fazem com que o Climáximo se destaque na comunicação social. Através de cortes de estradas, pinturas em sedes de grandes empresas, tentativas de impedir a descolagem de aviões e invasão de universidades, o grupo assume que realiza “actos de desobediência civil como uma forma de obediência a leis e regras moralmente superiores.”
(https://arquivo.climaximo.pt/glossario-de-ativismo-climatico/)
“Regra geral a ação em si tem um impacto direto positivo no problema em questão”, afirmam os ativistas. No entanto, os processos judiciais, as multas e até as penas de prisão são visíveis e tendem a acumular-se cada vez mais.
(https://arquivo.climaximo.pt/glossario-de-ativismo-climatico/)
Numa entrevista à Rádio Renascença, Catarina Bio, do movimento Greve Climática Estudantil, abordou o assunto de forma bastante clara e direta: “Nós temos consciência das consequências de tudo o que fazemos. Mas esta causa é tão importante que nós, mesmo conscientes disso, obviamente temos muito mais temor do colapso climático. E estamos dispostos a correr esses riscos”.
Mas será que estas ações diretas afastam ou unem as pessoas? Será que passam a mensagem que os ativistas pretendem? Numa entrevista à RTP Notícias, Rita Figueiras, professora da Universidade Católica, refere “que as ações extremas, como bloquear estradas ou vandalizar obras de arte e edifícios, podem ser confusas em relação à mensagem que os jovens pretendem transmitir à sociedade.”
Dois jornalistas e dois ativistas na defesa da causa climática

Vera Moutinho é jornalista freelancer na área do jornalismo climático e professora de Jornalismo Multiplataforma, Multimédia e Jornalismo Climático na Escola Superior de Comunicação Social.

Pedro Miguel Santos foi jornalista na redação do Fumaça, um podcast de jornalismo de investigação e atualmente trabalha na DIVERGENTE, uma revista digital de jornalismo narrativo. Estudou Comunicação Social e Educação Multimédia na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais, do Politécnico de Leiria. Fundou e foi dirigente na Academia Cidadã, associação nascida do Protesto Geração à Rasca, uma manifestação inovadora convocada através das redes sociais e sem apoios sindicais que visava a luta por um futuro melhor, nomeadamente a nível económico. Ao longo dos anos trabalhou em diversas redações, até que deixou a profissão para se dedicar ao GEOTA, uma associação de defesa do ambiente. No entanto, foi quando se juntou ao Fumaça, um podcast de jornalismo de investigação, que voltou a exercer o jornalismo.

Diogo Silva tem 32 anos, vive em Lisboa e é voluntário do grupo de ativismo Climáximo. Profissionalmente, faz parte de um grupo estrangeiro que luta para que os bancos deixem de financiar combustíveis fósseis. Este grupo, BankTrack, embora pouco conhecido, existe há vinte anos e tem como principal e importante missão revolucionar os grandes bancos mundiais e levá-los a tomar decisões e agir pensando na crise climática, na proteção da natureza e na garantia dos direitos humanos. Assim, trabalham sempre no sentido de alterar a “lista” de objetivos a cumprir pelos grandes bancos, para que comecem a preocupar-se também com o impacto das suas ações no planeta. Desde 2019 que o Diogo tem aumentado cada vez mais a sua presença no ativismo, quer trabalhando remuneradamente ou não na área, e é, sem dúvida, um jovem ligado à climática que pretende contribuir para a mudança mundial neste sentido.

António Assunção nasceu em Lisboa, em 2003. Faz parte de organizações como Climáximo e Greve Climática estudantil desde os 15 anos e, desde então, já participou em inúmeras ações e protestos. Neste momento, faz parte da redação do Fumaça, podcast de jornalismo de investigação, e tem como principal objetivo melhorar a proteção das fontes.

Entre a Urgência Climática e a Narrativa Mediática
Vera Moutinho vê com otimismo a mobilização cívica a favor do ativismo climático, mesmo quando é considerada radical. “Vejo uma evolução na profundidade com que os ativistas pelo clima que protagonizam ações de protesto mais disruptivas têm vindo a ser representados nos media”. Assim, sendo, numa visão geral, a cobertura mediática em Portugal tem evoluído, apresentando maior profundidade ao enquadrar ações disruptivas no contexto global da crise climática. É, então, normal que existam mais opiniões acerca deste tópico e por isso a opinião pública torna-se um alicerce, mas também um inimigo a esta causa disruptiva.
Olhando para a relação entre jornalistas e estes grupos ativistas, Vera Moutinho já se deparou com “alguma desconfiança por parte de membros dos grupos ativistas em relação à comunicação social, mas não diferente daquela (…) por parte de outras fontes ou entrevistados”. Refere-se à existência de uma “desconfiança no sistema”, que está associada ao retrato redutor que pode ser apresentado pelos meios de comunicação social.
“ (…) diria que grande parte da atenção mediática que os grupos ativistas recebem fica muitas vezes confinada aos momentos mais fortes de ações de desobediência civil, descritos como mais “radicais”. Isso pode depois ter influência numa certa percepção instalada na sociedade portuguesa que olha de forma negativa para estes activistas, tipicamente mais jovens.Tendo em conta o papel que os media têm na opinião pública, diria que é importante que a representação daquilo que é um activista ambiental ou climático mais “radical” não fique reduzido a ações pontuais ou mais disruptivas”, refere.
“O ativismo radical pode coexistir com o contexto da cidadania democrática, servindo propósitos diferentes do ativismo institucional.” No entanto, há debates sobre sua eficácia e impacto na opinião pública.
Vera Moutinho relembra o acontecimento do “corte de estradas levado a cabo por ativistas do clima visto como algo profundamente negativo, enquadrado como sendo algo que tem pouco efeito, até contraproducente para a “causa” e condenado pela sociedade em geral. Já vimos várias vezes imagens de ativistas a serem arrastados por condutores zangados. Mas quando milhares de agricultores cortaram estradas na Europa (e também em Portugal), esses protestos foram enquadrados de forma mediática sem esse caráter de “disrupção”, não foram condenados pela sociedade e nenhum agricultor foi arrastado para fora da estrada”.
Num tópico final, a jornalista refere que existem diversas formas de participação cívica e “formas como manifestações, petições, educação, associações e, sobretudo, o voto, são apontadas como meios eficazes de mobilização”. Vera Moutinho destaca ainda a necessidade de fortalecer espaços de participação cidadã para enfrentar ameaças à democracia, promovendo envolvimento nos processos de decisão e garantindo governança inclusiva. “Os cidadãos devem sentir-se envolvidos nos processos de tomada de decisão e participar efetivamente, nas questões ambientais e climáticas e noutras, justamente para garantir o oxigénio necessários para as nossas democracias hoje”, conclui.
Uma perspetiva jornalística relativamente ao ativismo ambiental radical
Entre os caminhos da saída da revista Visão e o auxílio a fundar o Fumaça, Pedro Miguel Santos fez uma pausa na sua profissão e embarcou na área da ação climática através do GEOTA, uma associação de defesa do ambiente, mais especificamente no projeto “Rios Livres”.
Pedro identifica o Climáximo como um dos grupos de ativismo climático radical mais conhecidos em Portugal. Segundo o mesmo, a principal estratégia destes grupos passa pela criação de disrupções no quotidiano como forma de alerta e “metáfora” para os impactos iminentes da crise climática. Estas ações procuram despertar consciências ao ilustrar como a emergência ambiental já está a alterar o dia a dia em várias partes do mundo como nos mostram os incêndios devastadores, inundações ou secas.
Afirma também que os média, muitas vezes, retratam este tipo de ativismo de forma pejorativa ou preconceituosa, o que contribui para uma incompreensão do fenómeno. Embora estas ações sejam planeadas para gerar visibilidade e impacto mediático, a receção por parte do público pode ser distorcida devido à forma como os meios de comunicação escolhem apresentá-las.
Na visão de Pedro Miguel Santos, a palavra “radical” remete-nos para a raiz de algo, ou seja, a raiz dos problemas. Acredita que “quem se propõe e quem se reivindica radical tenta encontrar soluções para problemas de base.” Este tipo de ativismo propõe um tipo de mudança, mas isso não significa que seja a única opção. Como afirma, “Nós vivemos em sociedades plurais, onde há muitas maneiras de propor soluções para as coisas, há maneiras radicais, reformistas, mais institucionais, portanto provavelmente há de ser uma mistura dessas maneiras que há-de levar que as coisas evoluam.”
Por fim, Pedro defende que o jornalismo ambiental segue os mesmos princípios de rigor e imparcialidade que qualquer outra área. “Jornalismo é jornalismo”. Rejeita a ideia de que a cobertura do ativismo radical deva ser diferente de outros temas, frisando que o papel do jornalista é mediar a realidade, fornecendo ao público o contexto e as nuances necessárias para uma compreensão informada. Apesar de, como refere Vera Moutinho, muitas vezes a atenção mediática fica confinada aos momentos mais radicais destes grupos.
Conforto aparente, incómodo necessário – A importância de agir para mudar
O que podia ser melhor para explorar a fundo o ativismo climático do que a perspetiva de um jovem ativista? Incansavelmente, procuramos um ativista que fizesse parte do grupo Climáximo, grupo tão conhecido devido ao seu relevante e constante envolvimento radical, como muitos afirmam, na causa climática.
Acabámos por nos cruzar com o Diogo Silva. Em 2017 iniciou o seu percurso no ativismo climático, integrando as Marchas Globais do Clima, organizadas pelo Climáximo. Refere que em 2019 abandonou o emprego em que trabalhava para se dedicar exclusivamente às ações em nome do clima e, assim, juntou-se ao Climáximo, nesse ano em que o envolvimento na justiça climática se mostrava cada vez mais evidente, constante, intenso e presente na sociedade diariamente.
Temos o hábito de fazer “pequenas coisas”, refere Diogo, para sentirmos que contribuímos de alguma forma para a mudança a nível climático, pois vemos e sentimos os problemas que, à nossa volta, se agravam. No entanto, é importante ter consciência que esse “conforto” que sentimos por fazer o mínimo tem de começar a incomodar-nos.
Segundo o ativista, a mudança concreta e a luta contra o problema vêm de ações que vão mudando, crescendo e adaptando-se às circunstâncias. No fundo, o ativismo pelo clima não começou pelos bloqueios de estradas ou por atirar tinta aos ministros, mas também não se deve ficar pelo não uso de plástico, quando nos lembramos que vivemos numa crise climática.
“Se extremismo é querer um futuro justo para todas as pessoas, então vamos ser extremistas. E se ser radical é acharmos que temos direito a viver e a não ser assassinados e a haver direitos básicos para todos, então sim, está tudo bem em sermos radicais. O que acontece é que temos a tendência em associar o radical ao que é mau, e na nossa sociedade o que é bom é o que é aceitável”. Não podemos negar que esta é uma tendência humana.
Diogo refere que uma das grandes causas da crise climática e do seu crescente agravamento é o facto de a sociedade ver as ações de quem quer contrariar o status-quo como más, e o conformismo e comodismo é que é visto como bom e aceitável. Assim, a mudança será impossível. Diogo admite ainda que a tentativa de fingir que está tudo bem, mesmo claramente não estando, isso sim é extremista e radical. Esta perspetiva permite-nos olhar com outros olhos para a temática, pois afasta-nos de uma visão construída pela sociedade onde nos inserimos, e essa ideia é exatamente a atribuição das designações “extremista” e ”radical” às ações pelo clima.

Mas, afinal, quem tem o poder para passar estas mensagens estereotipadas acerca deste assunto? No fundo, onde reside o poder que ilude e engana uma audiência?
É importante ter isto em consideração, pois sabemos que a grande maioria das ideias que temos, e segundo as quais nos guiamos, nos são transmitidas por outros, a maioria dos quais líderes de opinião ou participantes na esfera mediática. Assim, ao nos fazerem crer que está tudo bem ou que ficará muito rapidamente, e que tudo o que é feito para mudar realmente algo é errado, fazem isto para protegerem a situação atual em que vivemos, que tanto os favorece e que, por esse motivo, não pode cair.
Diogo deixa uma reflexão bastante explicativa: “Claro que se eu for dono de uma grande empresa ou um primeiro ministro consigo passar mensagens, através da comunicação social, com muito mais eficácia ao público, do que propriamente se for um simples morador de Lisboa que diz “nada disso está certo e temos de mudar”, pois não serei ouvido da mesma maneira”. Diogo diz que a responsabilidade de toda esta situação climática crítica não é da sociedade como um todo, mas sim de quem, com poder, passa a mensagem errada deliberadamente.
Quando questionado sobre se as repercussões menos positivas (consequências legais) dos atos radicais dos ativistas climáticos (como multas e penas de prisão) têm valido a pena e têm feito sentido, o Diogo demonstra uma perspetiva a considerar, tal como mostramos no vídeo que se segue.
Com este vídeo a perspetiva do Diogo fica bastante clara. Os ativistas climáticos têm vindo, ao longo do tempo, a tentar diversos métodos para atingirem uma mudança estrutural, mas acontece que métodos vistos como mais “brandos”, como falar com políticos, não se mostram eficazes, até porque estas pessoas com poder na sociedade limitam-se a ignorar o problema. Assim, os ativistas têm vindo a adotar estratégias que, por causarem maior impacto, são mal vistas e, muitas vezes, ilegais, mas que são a forma escolhida por estas pessoas de se fazerem ouvir. Futuramente, haverá novos métodos, até que algum tenha o efeito desejado: uma mudança estrutural.
“O que nós vemos é que [as ações dos ativistas climáticos] podem afastar algumas pessoas, que à partida não seriam as que se iriam juntar à causa, mas podem cativar outras, que muitas vezes podem até discordar do tipo de ações, mas concordam com o facto de a causa defendida ser justa e algo tem de vir a ser feito”, afirma Diogo Silva, na medida em que considera que aquilo que é importante neste problema é conseguir chamar a atenção de pessoas que se sentem, nem que seja minimamente, incomodadas com a situação atual.
Esta ideia é relevante, pois faz-nos compreender que, para os ativistas pela justiça climática, o importante é levar a que a população repare neles, para assim falar deles e moldar a sua visão, para que a opinião pública se vá moldando e, só assim, o status-quo comece também ele a mudar.
Quando questionado acerca de que desafios os grupos de ativistas climáticos enfrentam, Diogo Silva logo respondeu que “há muitos”, mas destacou apenas os mais relevantes. “O maior desafio é isto ser uma luta contra o poder”, afirma, o que nos permite refletir que, se virmos bem, parece não existir órgão de poder algum que dê ouvidos ao que grupos como o Climáximo transmitem, mesmo estes tendo como principal preocupação a preservação da vida. Mas a oposição do poder instituído não torna a mudança impossível. “Eu acho que o nosso trabalho é tornar essa ideia de que esta mudança é impossível, numa ideia de que esta mudança se vai tornar inevitável amanhã. E mesmo num cenário super negativo, podes ganhar concessões. Se houver mobilização, se nós nos juntarmos é possível, mas temos de ser muitos contra os poucos que têm muito poder.”
Para finalizar, o ativista refere que a luta pela justiça climática contribui imenso para aquilo que é a prática de uma cidadania ativa e verdadeira, pois “ações como estas obrigam a que as pessoas tomem decisões, falem, façam parte de uma discussão, e permitem que em conjunto possamos ir para outro sítio que não o sítio onde estamos agora”. Acrescenta ainda que “é com estas ações que tu aprendes imenso e que sentes mesmo como um cidadão de pleno direito, como uma pessoa que está a exercer a sua cidadania, alguém que está a construir sociedade, futuro e comunidade, e que está a contribuir para resolver os problemas que vê à sua volta”.
Assim, na visão de um ativista que participa nestas ações em nome da emergência climática, essas ações contribuem totalmente para aquilo que é a cidadania, e não o oposto, como muitas vezes somos levados a pensar.
A perspetiva do Diogo em relação à grande influência que as instituições com poder exercem sobre nós, assim como a nossa adesão quase inconsciente ao conformismo, aliada à nossa frequente indiferença ou incapacidade de agir perante o que é o bem e o mal , ajudam-nos a compreender que a sociedade atual despreza a crise climática, não vendo os métodos de mudança implantados pelos grupos que a tentam travar como ações em nome, também, de uma cidadania renovada e justa.
Falsa sensação de paz
António Assunção sempre se preocupou bastante com as questões relacionadas com o clima. Era apenas um estudante, do 10º ano de escolaridade, quando decidiu juntar-se à Greve Climática Estudantil, um grupo de estudantes que luta por justiça climática. Ainda com o sentimento de que poderia fazer mais pelo planeta e defender os seus ideais, juntou-se ao grupo Climáximo, “um coletivo aberto, horizontal e anti-capitalista”, segundo os mesmos.
António confessa que “há muitas coisas que fazem uma pessoa tornar-se ativa” no mundo do ativismo, mas o que o levou a mudar os seus hábitos e a defender a causa climática foi, sem dúvida, o medo. “O medo de pensar que os meus avós estarão de férias, eventualmente, e corre mal e são eles engolidos pelas chamas e não outras pessoas ou pensar também no futuro dos meus sobrinhos”, exemplifica.
A falta de água e os incêndios florestais massivos no verão constituem as situações mais assustadoras para o ativista, que, desde logo, demonstra uma grande preocupação não só com o território português, mas também com todas as pessoas que estão a ser afetadas pela crise climática pelo mundo fora e que “tiveram de abandonar toda a sua vida e tentar a sua vida num outro local do mundo, porque sofreram catástrofes climáticas extremas, tal como: cheias e incêndios”.
Nas últimas décadas, o ativismo tornou-se um assunto de “boca em boca”, devido a ações de alguns ativistas, muitas vezes, descritas como radicais. Para António, esta palavra é curiosa. “A origem dela vem de raíz, ou seja, não se resolve sintomas, não se tenta combater as pequenas partes”, é a explicação que António utiliza para a definição da expressão “radical”. “Tenta-se ir realmente ao cerne da questão e quando falamos de crise climática, o cerne da questão é o sistema socioeconómico no qual vivemos, conhecido como capitalismo”, explica.
O capitalismo é um ponto chave no discurso dos ativistas, pois acreditam que o sistema capitalista constitui um dos maiores problemas e entraves para a defesa da causa climática. “Para muitas pessoas é difícil aceitar essa realidade; a realidade de que foi o capitalismo que nos levou ao estado em que estamos hoje em dia e é o [capitalismo] que está a assegurar a nossa morte e o colapso de condições para milhares de pessoas”, refere, acrescentando que muito deste negacionismo climático, por parte da população, se deve, principalmente, por medo da incerteza ou por comodismo.
No final de contas, “o radicalismo permite-nos ser honestos, que é esse um dos grandes problemas. Permite uma honestidade realmente profunda sobre o estado a que nós chegámos e o que é realmente preciso para mudar. Seria ótimo se não tivéssemos de mudar tanto nem em tão pouco tempo, mas tudo o que a ciência nos indica é que temos um pouco mais de 5 anos para fazer a maior parte das mudanças”, explica.
Segundo a política ambiental do Parlamento Europeu sobre a luta contra as alterações climáticas, “em outubro de 2020, o Parlamento aprovou o seu mandato de negociação sobre a legislação da UE em matéria de clima, solicitando que o objetivo de redução das emissões para 2030 fosse aumentado para 60 %”. Além disso, o Conselho Consultivo Científico Europeu sobre as Alterações Climáticas forneceu à União Europeia “um orçamento para as emissões de gases com efeito de estufa para o período de 2030-2050”, com o objetivo de reduzir as emissões líquidas em 90-95% até 2040 (comparando com os níveis de 1990). (https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/72/combater-as-alteracoes-climaticas)
Através de ações de mobilização, os ativistas climáticos procuram “dar voz” ao que acreditam ser o melhor a fazer para combater as alterações climáticas, de forma a conseguirem dialogar com os políticos, visto que são os maiores detentores de poder e os que têm acesso a meios para avançar com as ideias para o bem do ambiente. “Mas também é necessário relembrar que não são só os partidos políticos que fazem a mudança. Muitas vezes, a mudança em Portugal não acontece por via dos partidos políticos; acontece por via de movimentação social”, acrescenta.
António recorda um caso de grande sucesso para o grupo de ativistas. Em 2015, existiam 15 contratos ativos para explorar gás fóssil em Portugal.
“Um ano após o Camp-in-Gás, o primeiro acampamento de ação em Portugal contra o gás fóssil e pela justiça climática que uniu grupos locais, coletivos nacionais e ativistas internacionais contra o projeto de perfuração em Bajouca, no distrito de Leiria; a Australis Oil and Gas desistiu de suas concessões para exploração e extração de gás fóssil na área”, referem os ativistas do grupo Climáximo.
“Quaisquer anúncios de operações, furos, sondagens, sessões de esclarecimento, consultas públicas, mobilizaram milhares de pessoas”, afirmam os ativistas.
“Entre o Climáximo, movimentos locais e uma grande parte da sociedade a mobilizar-se, todos esses contratos foram caindo pouco a pouco”. Segundo António, tudo isto “aconteceu através da força do poder popular, que é a real mudança e o real motor que consegue travar tudo”.
“Podemos, no entanto, ter a certeza de que esta luta foi uma das rochas sobre as quais se ergueu o movimento pela justiça climática em Portugal, através de experiência, tentativa e erro, com convergências e divergências a nunca ditarem hesitação nos momentos de ação”, concluem.
“A maior parte da população portuguesa, e também no resto do mundo, vive num estado grande de apatia ou, o que nós chamamos de, falsa sensação de paz. Isto é, a maior parte das pessoas acha que está tudo bem ou que aqueles que devem cuidar de nós, o governo neste caso, está a tratar do assunto”, refere o ativista do grupo Climáximo.
Perante esta “realidade infeliz que existe”, António reparte as ideias-chave que o grupo a que pertence pretende passar ao público, para a aceitação desta verdade, em três partes: “Um: não está tudo bem; dois: há culpados e três: os culpados nunca vão fazer o trabalho de alterar esse rumo. Por isso, nós, pessoas normais que trabalham e estudam, (…) somos as pessoas responsáveis por trazer essa mudança”.
É importante “aceitar que a culpa não é nossa. Não escolhemos em que ano é que nascemos, mas que a nossa responsabilidade também é lutar contra essa realidade”, acrescenta.
Como membro integrante do grupo Climáximo, António Assunção afirma que o grupo continua a crescer e que as pessoas começam, cada vez mais, a “fazer ativismo” e a envolver-se socialmente na defesa pela causa climática. “O objetivo é a sociedade inteira entrar num estado de resistência e as nossas ações, pouco a pouco, vão andando nesse caminho”, refere.
Além de tudo isto, António afirma que o grupo luta diariamente e vai continuar a lutar por todas as pessoas “que habitam neste planeta e que têm muito a ganhar com esta mudança, embora possa demorar algum tempo a aceitar”.
“Sabemos que temos de ser nós a fazer essa mudança e a lutar por um sistema que nos consiga proteger”, conclui com um sorriso de esperança.

Uma Reflexão sobre a Urgência Climática
Se há coisa que a realização de um trabalho sobre ativismo climático radical permite fazer é conhecer realmente, a fundo, a temática. Vivemos numa sociedade em que, no geral, temos a falsa consciência de que temos informação acerca de tudo e, por isso, sabemos tudo. É verdade que recebemos muita informação acerca de muitos dos fenómenos que nos rodeiam, mas a ideia de que a nossa opinião e saber sobre os assuntos é sempre a correta e a única válida deve ser abandonada. Assim, quisemos explorar o tema e conhecê-lo melhor, e temos, agora, uma visão mais alargada acerca do mesmo. O contacto com pessoas diretamente ligadas à luta climática, e a partilha de ideias que estas fizeram connosco, ajudou-nos a desenvolver este artigo e a ir muito mais além da ideia de que as ações dos ativistas são radicais e excessivas.
Percebemos também que a maioria dos artigos escritos espelham a opinião dita geral negativa acerca da mesma, mesmo que a causa defendida seja tolerada ou percebida. Depois de fazermos este artigo e de aprofundarmos o tema e os nossos conhecimentos sobre o mesmo, resta-nos apenas esperar que mais pessoas procurem fazer o mesmo, ouvir mais estes grupos e valorizar as suas motivações e ações, que, no fundo, prezam pela nossa vida e sobrevivência.