Sonho

Fazedores de Sonhos

Muitas vezes ouvimos falar de pessoas que realizam os seus sonhos e dos momentos em que a magia acontece. No entanto, são raras as ocasiões em que conhecemos aqueles que, com o seu trabalho, estão por detrás da construção de grandes sorrisos: Os Fazedores de Sonhos.

Inês Gonçalves, Beatriz Pinto Santos, Hugo Oliveira, Cristina Gonçalves Gordon

Ana Paula, Antonieta, Eduardo e Isabel são pessoas comuns que, através do voluntariado, encontraram na concretização dos sonhos de crianças satisfação pessoal, ou até mesmo, um propósito de vida. Juntam-se, agora, para partilhar a sua experiência, sem deixar para trás as histórias daqueles com quem se cruzaram ao longo do caminho.

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena

Fernando Pessoa, “Mar Português” (1922)

Fazer a diferença

Voluntário: “jovem, adulto ou idoso que, devido ao seu interesse pessoal e espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração, a diversas formas de atividades de bem-estar social ou outros campos”, segundo a Organização das Nações Unidas.

6,4 %. É esta a taxa de participação no voluntariado em Portugal, uma das mais baixas da Europa. Porém, ainda há quem roube do seu tempo para dar aos outros momentos felizes, sem estar à espera de algo em troca.

Ana Paula Alves

“Sempre à procura de fazer coisas diferentes”. É aqui que tudo começa e que tudo começou. 

Ana Paula Alves, administradora e consultora financeira, é uma pessoa que gosta de “fazer mais” e que busca sempre “fazer por mais”. As “coisas diferentes e desafiantes” tornam-se, então, um motivo para aproveitar o tempo ao máximo.

Foi neste sentido que, em 2014, passou a ser voluntária da Make-A-Wish. Atualmente, com 57 anos, constitui uma dupla com Isabel Almeida. Juntas estão por detrás da construção de momentos que fazem a diferença. “É como uma felicidade em cadeia que vai tocando várias pessoas; não apenas o destinatário do desejo, mas também todos aqueles que têm a sorte de estar envolvidos nesta cadeia positiva que só traz coisas boas”, conta.  

Um novo desafio e o começo de uma jornada feliz

Antes de trabalhar por conta própria, Ana Paula era administradora financeira na Banca e de grandes empresas, em Portugal e Espanha. As viagens em trabalho e as horas a fio passadas no escritório revelaram-se, porém, insuficientes: “Eu tenho uma atividade bastante intensa que requer um esforço e concentração mental grande e, portanto, ter uma atividade que me permita fazer coisas que não sejam meramente automatizadas, era uma coisa que me faltava.”

A transição no mundo profissional fez surgir uma nova oportunidade que, num primeiro momento, não lhe tinha “despertado curiosidade”: a realização de sonhos.

Ainda que já conhecesse a instituição onde viria a realizar sonhos por causa do trabalho, o voluntariado entrou na sua vida um pouco mais tarde: “Desde a altura em que era administradora de um banco, fiz a ponte de algumas ações empresariais, na vertente do voluntariado. Apercebi-me de que estava a dedicar pouco tempo às coisas que me davam prazer, pelo que resolvi candidatar-me como voluntária. Quando fui chamada, na altura, precisavam de voluntários, não para a angariação de fundos – que era aquilo que achava que ia fazer -, mas para a realização de desejos.”

“Nem sempre estamos preparados para quando as coisas não correm bem”

A surpresa ditou, então, o começo desta jornada, desde a formação e os estudos de caso, passando pela aprendizagem do processo de realização de um sonho, até à preparação emocional para as situações difíceis. “Aprendemos a lidar também com os nossos sentimentos e com a forma como abordamos as coisas”, afirma.

Todo o envolvimento que subjaz à realização de desejos é, por um lado, o que permite o sucesso neste tipo de voluntariado. Porém, para o bem e para o mal, é isto que, para Ana, torna um sonho marcante, independentemente dos anos que passem desde a sua concretização.

A trabalhar “um pedacinho a medo” e sem saber bem por onde começar, Ana e Cláudia – a sua parceira à data – rapidamente perceberam que no caminho é necessário criar momentos enquanto o desejo não é efetivamente realizado. Explica que, muitas vezes, são estes que, perante os impedimentos e constrangimentos médicos, permitem “fazer as crianças sonhar com uma coisa diferente”.

Enquanto voluntária, Ana Paula considera que o trabalho realizado com as crianças e com as famílias é transformador, “porque elas vivem naquela cúpula dos tratamentos, do peso da doença.” Neste contexto, o objetivo passa por levá-los para um lugar mais alegre e com mais energia. 

Estar ciente de que nem tudo pode ser controlado é crucial, sobretudo quando se lida com crianças e famílias que vivem momentos de grande dor.  “Quando há situações limite, explicam-nos. Apesar de nos avisarem, nós nunca estamos preparadas para isso, de todo. É impossível”, afirma.

Cair, levantar e continuar

“Fazer alguém sonhar e não conseguir realizar o desejo a tempo” – um aspeto com o qual Ana teve de aprender a conviver, logo com o seu primeiro desejo. A verdade é que a insegurança e o receio de tudo voltar a acontecer também a fizeram questionar: “Pensei que depois do meu primeiro desejo não iria conseguir fazer isto outra vez, porque no fundo isto é um processo que exige muito de nós. A voluntária que estava comigo, por exemplo, já não é voluntária.”

Uma jornada como esta envolve tanto ganhos, como algumas perdas. Ana acredita que não é um trabalho para todos, pois ao longo do percurso viu pessoas a entrar e a sair, amizades a ir e a vir. Não obstante, perante as adversidades “a probabilidade de correr bem, e mesmo que não corra bem no fim, o facto de ter tido a oportunidade de proporcionar aquele bocadinho de sonho, de afastar a dor, a doença, o problema” é o que a motiva a dar o passo seguinte. Conta que o olhar das crianças e das pessoas que estão com elas supera todos os “e se”. “Tudo isto torna-se um vício e às tantas já não consigo não fazer desejos. Às vezes penso que tenho tanto trabalho, mas quando temos um desejo sinto que tenho de o fazer, porque o trabalho nunca me vai dar este sorriso. Eu preciso disto, tanto como as crianças a quem nós realizamos os desejos”, confessa.

Um Pikachu gigante nunca se esquece

Outro desejo de que Ana Paula se lembra com particular carinho foi o de uma menina, durante o tempo da Covid-19. Para uns o mundo parou. Porém, a realização de sonhos continuou a acontecer. Apesar dos constrangimentos acrescidos, o objetivo mantinha-se: fazer com que o desejo fosse uma coisa marcante, “algo que não se esquece, que fica lá”.

“Nós não podíamos contactar ou estar muito próximos, porque são crianças muito mais frágeis. Não podíamos correr o risco de transmitir nada”, explica. Ainda assim, juntamente com a Isabel, decidiram envolver as próprias famílias de forma a realizar o desejo nos jardins do IPO- Instituto Português de Oncologia de Lisboa.

Amigas de longa data, Ana Paula e Isabel Almeida começaram uma dupla que, até hoje, se destaca: “Eu tenho de reconhecer que desde que a Isabel passou a estar comigo a realizar os desejos, os desejos ganharam uma vida diferente, porque ela é muito imaginativa e está sempre a pensar mais à frente”.

Desencantaram um “Pikachu gigante” e, com a ajuda dos próprios sobrinhos, conseguiram acompanhar a realização do desejo, falar e explicar a dinâmica. “Precisava de alguém para vestir uma máscara do Pikachu. Acabou por ser a namorada do meu sobrinho, que viu vídeos para aprender a falar como ele. Ela foi, dançou e fez tudo”, recorda.

O desejo acabou por se tornar uma experiência de todos para todos, que reuniu olhares de fora e sorrisos de crianças que se juntaram à brincadeira.

O sonho do Pikachu // Cristina Gordon

O sonho do Pikachu © Cristina Gordon

“O sonho torna-se um bocadinho nosso”

O sonho é de todos aqueles que participam e que se envolvem, incluindo os voluntários. Dificuldades, limitações severas e constrangimentos frequentemente sobrepõem-se à vontade e aos planos que são idealizados.

A missão passa por saber encontrar aquilo que pode fazer a diferença aos olhos de quem vive o sonho. “Estamos sempre a ver alguma coisa que possa fazer esse ‘uau’ ou esse sorriso… esse brilho nos olhos. Então transforma-se também um bocadinho naquilo que é o nosso sonho”, revela.

Antonieta Pessoa  

Maria Antonieta Leitão Pessoa, de 31 anos, é natural de Coimbra e veio para a capital portuguesa estudar Reabilitação Psicomotora na Faculdade de Motricidade Humana. A educação é a sua enorme paixão e atualmente é professora de apoio ao estudo. Ao longo da sua vida tem tido contacto com crianças e adolescentes, seja na vida profissional ou nos momentos que encontra para fazer voluntariado. Desde muito cedo que gosta de ajudar os outros e, então, começou por integrar a equipa de uma Organização Não Governamental, onde permaneceu durante oito anos. Hoje em dia, ajuda os outros, mas de uma forma diferente: concretiza sonhos.

Há cerca de dois anos na Terra dos Sonhos, Antonieta afirma que o tempo dispensado nas reuniões de formação, nas conversas com as famílias até à hora de realização do sonho é “muito importante a nível de crescimento pessoal e de valores.” 

Já teve oportunidade de realizar dois sonhos e ambos foram, para si, especiais de formas distintas. Contudo, estas duas concretizações revelaram ter um ponto comum: a capacidade dos voluntários se surpreenderem com os sonhos criativos das crianças e a larga imaginação das mesmas.

“Sonhem em grande!” É este o mote que deu arranque aos desejos realizados por Antonieta e pela sua dupla de trabalho. Desta forma, é possível dar às crianças uma grande liberdade para sonhar, criando-se até um certo impulso para que isso aconteça. Com o primeiro contacto com as famílias, a voluntária rapidamente entendeu que a forma de sonhar dos mais pequenos era muito condicionada pelas realidades de cada um.

O primeiro é sempre especial

O primeiro sonho foi impactante. Por um lado, porque ainda não conhecia a 100% o projeto de realização de um sonho e por outro porque existia o nervosismo inicial de conhecer a criança e a família. Antonieta confessa que ao início achava que não iria ser possível concretizar o sonho do pequeno rapaz e que quando viu tudo a compor-se, ficou bastante surpreendida.

Após dois meses desde a reunião de apresentação do projeto, Antonieta e a sua colega tiveram logo o primeiro desafio: realizar o sonho de um menino. Cego e muito novo, o rapaz que morava nos arredores de Lisboa tinha vários sonhos, mas muitos deles quase impossíveis de realizar, como, por exemplo, ir até à lua de foguetão. Com sonhos fantásticos, as voluntárias tiveram a necessidade de tentar perceber os gostos e os hobbies da criança.

 Ao longo dos dias em que Antonieta foi conhecendo os gostos e os sonhos de Afonso (nome fictício), começou a duvidar de uma possível concretização: “achávamos que aquilo não ia acontecer de todo”, conta. Todavia, o desejo foi realizado e para a voluntária foi com enorme entusiasmo que acompanhou o pequeno rapaz durante quase todo o dia. O dia de sonho desta criança começou por uma ida aos estúdios da Rádio Renascença para participar numa emissão. Afonso sabia o nome de cada locutor da estação e ouvia a rádio diariamente. Ainda na parte da manhã, foi surpreendido pela presença do cantor português, Pedro Abrunhosa, de quem era fã. Depois de todas as emoções possíveis durante a manhã, a sua tarde foi preenchida por momentos igualmente emocionantes, mas mais reservados.

Para Antonieta, todo este dia foi de grande entusiasmo, ainda mais do que para Afonso: “ele estava com uma naturalidade e simplicidade do género isto é especial, mas eu quero aproveitar.” No final, a voluntária afirma ter ficado de coração cheio quando recebeu vídeos do Afonso a agradecer.

Um dia de sonho na rádio © Cristina Gordon

Uma dificuldade? E agora?

“Ainda não senti a frustração de não conseguir realizar algo”, afirma Antonieta. Até ao momento, nos dois sonhos que ajudou a concretizar teve sempre total liberdade para sonhar ao lado da criança e uma grande rede de apoio para tal. Contudo, admite que o corte de relação com as crianças depois de todo o processo pode tornar-se de facto um pouco frustrante. “Não é fácil com o dia a dia manter o mesmo tipo de ligação com todos”, admite.

Para Antonieta, a criança ensina de forma única, ao voluntário, a aproveitar e saborear o momento. Apesar de não ter conseguido manter relação com as duas crianças com quem teve mais contacto, admite que a gestão de expectativas é muito importante no voluntariado. Para além disso, mesmo com as limitações do dia a dia, a voluntária chegou sempre à mesma conclusão: “a sonhar somos todos iguais, ou temos todos a liberdade de o fazer.”

Os sonhos de quem ajuda

Com os sonhos realizados e com toda a aprendizagem retirada dos mesmos, para a voluntária natural de Coimbra, a principal ferramenta que leva para a sua vida é a de “continuar a acreditar” e de trabalhar muito para ver os seus sonhos concretizados.

A capacidade de sermos nós a ir à luta pelos nossos sonhos. É esperar pelos sonhos e contribuir para que eles aconteçam, que eles não sejam muito imediatos.

José Eduardo Raposo

José Eduardo Raposo, 51 anos, trabalha na área de recursos humanos. Um homem alentejano que, desde sempre, escolheu não ser indiferente ao outro. Para Eduardo, ajudar é tão natural como respirar. É quase um instinto. “Nós temos de gostar de ajudar os outros, temos de gostar que os outros se sintam felizes.” Este parece mesmo ser o lema de vida deste fazedor de sonhos, que mais do que um hobby, acredita que encontrou na realização dos sonhos praticamente uma “religião”; uma “âncora” na sua vida.

Atualmente, vive em Lisboa, onde trabalha, desde os seus 20 e poucos anos, na área de recursos humanos. Coincidência ou não, no trabalho, os seus dias são também passados a ajudar os outros, por meio do tratamento das reformas e da atribuição das pensões de viuvez. 

É feliz a fazer o bem, sem esperar nada em troca, e este tornou-se mesmo o seu propósito de vida. Apesar de ajudar sem olhar a retornos, acredita que esta é uma “troca de experiências e de emoções.” Uma troca que, ao longo dos anos, além de bons momentos e de memórias felizes, lhe tem proporcionado grandes amizades, que agora são quase uma segunda família. Família essa que aumenta a cada desejo concretizado.

“O Voluntariado faz com que a minha vida faça sentido”

Foi através do banco em que trabalha, Santander Totta, que chegou à Terra dos Sonhos. Curiosamente, a sua primeira experiência na instituição não foi a concretizar um sonho, mas sim a distribuir material escolar a crianças de um orfanato. A afetividade, a gratidão e a felicidade daquelas crianças marcaram-no profundamente e incentivaram-no a continuar.

O bichinho ficou. À medida que iam surgindo oportunidades para ajudar, Eduardo participava. Desde logo, a caracterização dos sonhos pareceu-lhe um projeto muito interessante, mas desafiador e, até mesmo, difícil. No entanto, acabou por descobrir a simplicidade do sonho.

A oportunidade de realizar um sonho só chegou na altura da pandemia de Covid-19. Numa altura em que as restrições eram grandes, especialmente no que diz respeito ao contacto físico e presencial, concretizar um sonho não foi tarefa fácil. “Não tínhamos tudo ao nosso dispor. Não podia ser no exterior e não podíamos andar em contacto com ninguém. Foi aqui na sala, mas conseguimos que a criança lá conseguisse concretizar o seu sonho de conhecer um youtuber brasileiro”, recorda.

Certamente que o primeiro sonho realizado nunca se esquece, contudo da primeira experiência ficaram também aprendizagens. Eduardo conta que o sonho ficou “mais ou menos concretizado”, pois, por vezes, a vontade das crianças não corresponde às expectativas dos pais, que tendem a esperar coisas materiais. No entanto, mais do que computadores ou bicicletas, os sonhos concretizados por estes voluntários acabam por ser experiências que ficam para sempre e que aliviam o dia-a-dia de crianças e famílias que não costumam encontrar razões para sorrir. “Tudo se baseia em experiências e em sensações. Não há nada que pague isso”, explica.

Os sonhos que marcam

Todas as crianças são diferentes e, por isso, cada sonho é um desafio. Para José Eduardo Raposo a maior qualidade que um voluntário que concretiza sonhos deve ter é mesmo entender o que a criança realmente quer; o que fará os seus olhos brilhar. Este nem sempre é um trabalho fácil: “Não é linear que o sonho de todos os miúdos seja ir à Euro Disney.”

Os sonhos parecem realmente ter muito pouco de linear quando se ouve os testemunhos daqueles que são responsáveis por os realizar. Há sonhos para todos os gostos, desde visitar o jardim zoológico ou conhecer uma figura pública até, por exemplo, passear vestida de princesa num camião do lixo. Pode até não parecer, mas este foi um sonho real. Um sonho inusitado e completamente fora do normal, que apanhou até de surpresa os próprios voluntários e que acabou por se traduzir num passeio de camião do lixo pelas ruas de Lisboa e num grande sorriso na cara da menina.

Um sonho de princesa // Cristina Gordon

Um sonho de princesa © Cristina Gordon

No entanto, este não foi o sonho que mais marcou o voluntário natural do Alentejo. Esse aconteceu bem mais recentemente, quando acompanhou um grupo de crianças invisuais numa viagem à Disneyland Paris. Eduardo conta que foi um sonho mais intenso que o habitual, um “mega sonho” que o fez despertar para uma realidade com a qual ainda não se encontrava muito familiarizado, o dia-a-dia de uma pessoa cega.

Depois desta oportunidade, o voluntário conta que passou a valorizar mais coisas que antes simplesmente lhe passavam ao lado. “Poder sentir a textura de uma planta, de uma árvore, da própria pele, do cabelo, da roupa… a importância do toque… Eu não fui habituado a tocar nas pessoas, mas lá eu vi-os a tocar em plantas, em estátuas, em paredes… E aquilo tem significado para eles. Como eles não veem, o desenho mental que eles fazem baseia-se nisso, no toque”, explica.

A questão do toque foi algo que o marcou profundamente, pois apercebeu-se do valor que este tem para aqueles que não têm outra forma de ler o mundo.

Sonhar na Disney // Cristina Gordon

Sonhar na Disney © Cristina Gordon

“Quando estou a realizar sonhos sinto a gratidão das pessoas”

O balanço da experiência é positivo; e a cada sonho, o sentimento é de missão cumprida, bem visível pela gratidão e felicidade estampadas nos rostos das crianças e das famílias que tem vindo a ajudar. “Sabem que somos voluntários, que saímos das nossas casas, que saímos da nossa zona de conforto para estar ali com elas e tornar aqueles momentos possíveis… Para mim, este sentimento de gratidão diz-me muito”, revela.

Sobre o que está por vir, Eduardo prefere não falar. Confessa que não gosta de pensar no futuro, mas deixa a certeza de que quer continuar a realizar sonhos e a aumentar a lista de vidas em que faz a diferença, para daqui a uns anos ter histórias para contar. Além do dever cumprido e da gratidão, é isto que fica de cada sonho. As histórias. Histórias essas que acabam por fazer parte da própria história de vida de Eduardo.

Isabel Almeida

Isabel Maria Carvalho de Almeida, durante o dia, “inventa” coisas para fazer. Com a possibilidade de um horário mais flexível no trabalho, arranjou então uma ocupação que lhe rouba um bocadinho do seu tempo, e do seu coração: o voluntariado.

Realizar desejos com a Make-A-Wish foi algo que sempre quis, a partir do momento em que conheceu a fundação, mas a não abertura de inscrições para ser voluntária fez com que tivesse de esperar um pouco mais. Entretanto, Isabel conseguiu entrar na fundação e começou por fazer ações de voluntariado em eventos da própria instituição. Mas o que queria mesmo era ser voluntária e, para isso, demorou cerca de dois anos até ser admitida. E a paciência foi uma virtude que deu frutos.

Relações desafiantes

A voluntária de 61 anos e a sua amiga, e parceira de dupla, Ana Paula, trabalham juntas para poder proporcionar às crianças que lhes são atribuídas, alegria, momentos de diversão e de distração. Tudo isto enquanto, no processo, vão conhecendo melhor a criança e a sua família, e elas próprias, pela jornada fora. Isabel, e a sua parceira, trabalham essencialmente com crianças com doenças do foro neurológico, descritas pela mesma como “desafiantes”; doenças desta natureza fazem com que a abordagem utilizada com as crianças não seja a dita “convencional”. Por esse mesmo facto, e por estas terem mais limitações do que outras – seja com nenhuma ou outra qualquer doença – a realização pessoal surge quando é conseguido “arrancar uma reação, um lampejo, um brilho nos olhos, uma reação de alegria nestas crianças; uma coisa assim extraordinária.” 

No “pós-desejo”, mantêm contacto com as famílias: “Não só porque nós somos curiosas e gostamos de acompanhar as famílias, mas também parte deles, porque nos querem contar as novidades e como as coisas estão a correr.”

O que fica na memória

Isabel é voluntária há apenas dois anos e já conseguiu concretizar oito desejos. No entanto, é de uma visita à Eurodisney e de um encontro com os amigos do Panda e os Caricas que guarda mais recordações.

Um encontro de sonho // Cristina Gordon

Um encontro de sonho © Cristina Gordon

Diz que a maneira como se vive a realização de cada sonho depende da carga que se põe em cada desejo e, de facto, a cumplicidade que tem com a sua dupla faz a diferença. Contudo, nem sempre é fácil realizar os desejos das crianças, por motivos que ultrapassam os próprios voluntários.

Apesar disso, o gosto por realizar os desejos de crianças supera todas as complicações e medos que possam surgir no caminho. Num cenário em que se lida com crianças doentes, é fácil tomar por certo que existe sempre medo da perda. Isabel Almeida, por outro lado, vive com outra linha de pensamento. “Quando se contacta com as crianças e com as suas famílias, a força interior que se encontra é uma coisa tão arrebatadora, que se percebe que não há razão… se as pessoas que convivem todos os dias com as crianças, e as próprias crianças, têm aquela força de viver, então porquê ter medo?”, confidencia.  A voluntária diz que o propósito do seu trabalho é exatamente proporcionar uma distração à criança, durante todo o processo e não apenas na concretização do desejo.

“Ao dedicarmos um bocadinho do nosso tempo recebemos muito mais”

Para Isabel, disponibilidade é algo importante e que falta muito hoje em dia. É necessário tempo e empatia. Enquanto voluntária, lida com famílias que se acabam por se desestruturar, pois os pais tendem a focar-se mais na criança que está doente. 

O tempo, que é hoje um bem de uma raridade tamanha, é algo que, para Isabel, se “consegue arranjar”. A gestão dos afazeres é algo que passa por arrumar “pedras dentro de um pote”; vão-se arrumando de acordo com a sua importância.  Confessa que tem o “privilégio” de poder gerir o seu tempo. “No entanto,  quando se quer muito, faz-se acontecer”, afirma. O fazer acontecer desse projeto passa por toda a envolvência com a criança; e faz com que esta experiência não seja somente um objetivo da própria, como também “o criar” de uma memória.

Gratidão

A missão é apenas uma. Ana Paula, Antonieta, Eduardo e Isabel não querem parar por aqui. Sonham em fazer mais. O voluntariado já faz parte de cada um e concretizar sonhos tornou-se praticamente um propósito de vida, que apenas é possível com empatia e com um pouco de sacrifício. Contudo, no final, vale sempre a pena. 

Os seus sorrisos revelam a gratidão, as histórias e um pouco de todos aqueles com quem sonharam e deram a possibilidade de sonhar.