Tempo

“Pedir, Acreditar e Receber”

Lei da Atração - Será Possível Alcançar o Futuro Desejado?

Carolina Rodrigues, Daniela Matias, Helena Couto, Mariana Louro

“Começar a lei da atração é começar a mudar a nossa mente, a pensar de maneira positiva e a evitar tanto as reclamações e as negações do nosso dia a dia.” – Gabriela Costa, praticante da Lei da Atração há quatro anos.

“Não existem coincidências nem acasos, isso são apenas formas de o Universo comunicar connosco.” – Gabriel de Barros, praticante da Lei da Atração há, também, quatro anos. “Lembra-te de que os teus pensamentos são a causa primária de tudo”, aconselha a autora australiana Rhonda Byrnes no seu livro best-seller O Segredo. Publicado em 2006, o número estrondoso de vendas da publicação pôs a Lei da Atração nos palcos mediáticos internacionais da época. Em cinco anos, o livro foi adaptado para um documentário, traduzido para mais de 50 línguas e vendeu mais de 30 milhões de cópias. Nele, a autora revela um segredo capaz de mudar a vida do leitor: pensamentos positivos ou negativos trazem experiências negativas ou positivas para a nossa vida. A Lei da Atração é uma crença espiritual assente na ideia de que as pessoas e os seus pensamentos são formados por “energia” e que energia de um determinado tipo atrai energia semelhante. Uma componente essencial deste modo de pensar é a ideia de que, para alterarmos eficazmente os nossos padrões de pensamento, devemos “sentir” verdadeiramente que as mudanças já aconteceram num futuro que está por vir. De acordo com estas leis energéticas, a combinação de pensamento positivo com emoção positiva deverá atrair experiências positivas e oportunidades desejadas. “O poder é todo teu”, assim termina O Segredo. Rhonda Byrnes deixa-nos com a impressão de que o Futuro está nas nossas mãos, de que somos nós os construtores do nosso próprio Destino.

I – Lei da Atração: Pseudociência, pensamento mágico ou o poder da manifestação?

As ideias transmitidas por Rhonda Byrnes mantiveram-se relativamente populares desde então (existem escritores, gurus, instrutores, workshops e cursos focados na aprendizagem da Lei da Atração) e celebridades como Oprah Winfrey e Lady Gaga atribuem-lhe os seus sucessos. Durante a fase crítica da pandemia, as redes sociais, em particular o TikTok, foram responsáveis por um interesse renovado na Lei da Atração a nível mundial, sobretudo depois de um novo método baseado na numerologia e na Lei da Atração se ter tornado viral em março de 2022. O TikTok foi a aplicação mais descarregada do mundo em 2022 e a com maior número downloads desde 2018 (de acordo com números da App Store e Google Play). Só no TikTok, somam-se quase 6 mil milhões de visualizações de vídeos ligados à pesquisa #lawofattracttion (#leidaatraçao). Desta vez, as versões desta crença renovadas em larga escala por um público mais jovem passaram a ser conhecidas também  por “manifestação. É fácil encontrar posts e vídeos de pessoas a celebrar os êxitos obtidos através da manifestação e a incentivar outros à prática. Rhonda Byrnes ainda é um dos nomes mais mencionados e uma porta de entrada frequente para quem chega à Lei da Atração.

A convicção de que os nossos pensamentos podem alterar não só a realidade física à nossa volta como também a psicológica não é recente. Crenças semelhantes foram publicadas por vários autores ao longo do século XIX, mas foram as décadas de 70 e 80 que assistiram a uma enorme explosão de popularidade do tema com o movimento New Age e a publicação sucessiva de livros de auto-ajuda. Nos campos da psiquiatria e da psicologia, este tipo de crenças passou a ser englobado há muito sob a expressão “pensamento mágico.

Na prática da Lei da Atração não existem rituais superiores: manifestar uma casa, um carro ou a profissão de sonho tem significados diferentes para cada praticante. A versatilidade da prática da manifestação torna difícil defini-la com precisão. Para explicar o ato de manifestar, há quem se refira ao Universo, ao Destino ou a frequências emitidas pelos nossos pensamentos. Os exercícios mais frequentemente mencionados para criar pensamentos mais positivos passam por diferentes técnicas de reenquadramento cognitivo (como o pensamento positivo), repetição de afirmações ou visualização criativa. Um dos objetivos principais é alterar os nossos padrões de pensamentos negativos.

Gabriel de Barros e Gabriela Costa fazem parte dos crentes da Lei da Atração, acreditando que esta possui a capacidade de fazer com que os seus sonhos se tornem realidade. Gabriel de Barros, praticante há quatro anos, está certo de que a Lei funciona, e atribui sucessos recentes na sua vida pessoal e profissional à sua prática regular. Já Gabriela Costa garante que a repetição de mantras com um terço hindu ajudou a mudar a sua vida nos últimos anos.

Não existem provas científicas que sustentem a Lei da Atração e há quem a considere uma pseudociência por utilizar argumentos enganadores. Segundo a psicologia, para podermos lidar com a quantidade colossal de informação diária que o nosso cérebro recebe, recorremos frequentemente a certos processos psicológicos para interpretar o mundo e tirar conclusões rapidamente. Mas nem sempre essas conclusões são as mais lógicas ou estão de acordo com o conhecimento científico moderno ou, até, a realidade. Como afirma a médica psiquiatra Teresa Trindade, o tipo de crenças por detrás da Lei da Atração pode surgir associado a uma versão distorcida da realidade ou em contextos de muito stress. Convicções semelhantes também podem existir ligadas a práticas religiosas.

No confronto de ideias entre ciência, psicologia humana e fé, expomos as diferentes perspectivas acerca da crença na Lei da Atração e na ideia de que podemos alterar o nosso futuro.

 II – Gabriel de Barros

Gabriel de Barros, 26 anos, começou a praticar a Lei da Atração há quatro anos. A espiritualidade sempre foi uma palavra presente no seu dicionário graças à meditação; no entanto, a Lei da Atração só começou a fazer parte do seu vocabulário após ter lido o livro O Segredo. “A meditação é algo básico para desenvolvermos a nossa espiritualidade. Quando estamos a meditar, estamos mais aptos para chegar ao subconsciente e, por conseguinte, torna-se mais fácil pôr em prática a Lei da Atração.” Foi aí que percebeu que podia atingir tudo o que queria atingir, receber tudo o que queria receber e ser tudo o que queria ser.

Desde criança, Gabriel tinha o hábito de escrever sobre os seus pensamentos e sentimentos, daí ter escolhido a escrita como a sua primeira técnica de manifestação. Pegou num caderno, o primeiro que encontrou, e começou a pôr em prática a Lei da Atração: “Eu tenho o meu carro de sonho”, “Eu sou bem-sucedido profissionalmente”, “Eu vou ao ginásio regularmente e tenho um estilo de vida saudável”. A partir do momento em que começou a praticar e a perceber que o futuro estava nas suas mãos, nunca mais parou.

Atualmente, a técnica que mais usa é a visualização: “Para mim é a técnica mais forte, porque basta fechar os olhos e imaginar a vida como quero que ela seja e vou automaticamente sentir o que sentiria se já se tivesse tornado realidade – e depois torna-se, efetivamente, realidade.” A manifestação é como um jogo de futebol: apesar de cada “jogador” ter as suas técnicas prediletas, há “regras” que são comuns a todos. Segundo Gabriel, a primeira regra passa por não dar prazos de tempo muito limitados ao Universo, porque Ele só nos vai fazer chegar os nossos pedidos quando for a altura certa. A segunda regra diz respeito a evitar verbos no futuro e a palavra “não” enquanto manifestamos, isto porque o Universo só reconhece o presente afirmativo, podendo fazer com que estejamos a atrair o contrário daquilo que pretendemos – por exemplo, ao receber a manifestação “Eu não vou deixar de ir ao ginásio”, o Universo pode interpretá-la como “Eu vou deixar de ir ao ginásio”, pois não reconhece a palavra “não” e, assim, vai agir de forma contrária ao desejo do praticante. A última regra, talvez a mais importante, está relacionada com o estado de espírito do praticante – “se estivermos com um mindset negativo, é muito provável que não consigamos atingir o que manifestámos, porque não estamos numa frequência alta o suficiente para que o Universo nos faça chegar o que queremos atrair.”

A maior parte do conhecimento que Gabriel possui sobre a Lei da Atração foi adquirido através de livros. Mensagens (Fleur Leussink), A Alma está no Cérebro (Eduardo Punset), A Profecia Celestina (James Redfield) e Como Criar um Novo Eu (Joe Dispenza) foram algumas das suas inspirações ao longo desta jornada espiritual. Acredita que “não importa se o livro é um bestseller ou se o autor é muito conhecido, mas sim se sentimos uma ligação ao livro e se ele nos pode ajudar a atingir objetivos.” Além da literatura, o Youtube também é seu grande aliado na procura de novas informações. É nesta plataforma que acompanha os vídeos de Sadhguru – um místico, escritor e yogi indiano que partilha com o público os seus vastos conhecimentos sobre as várias vertentes da espiritualidade.

De todas as técnicas de manifestação que Gabriel já utilizou ao longo destes últimos quatro anos, ainda lhe falta experimentar uma – os sonhos lúcidos. Como é uma técnica que requer um grande treino mental, está a usar o livro Sonhos Lúcidos (Dylan Tucillo, Jared Zeizel e Thomas Peisel) como material de estudo. Segundo os autores, esta técnica apresenta um grau de eficácia muito elevado, já que o sonho é a fase onde estamos mais ligados ao nosso subconsciente: quem se consegue “programar” para ter sonhos lúcidos frequentemente consegue manifestar dentro desses sonhos e obter resultados ainda mais satisfatórios do que com outras técnicas. Para quem não quer levar a Lei da Atração tão a sério, Gabriel sugere que, apesar de ser possível manifestar a qualquer hora do dia, “o ideal seria na primeira hora depois de acordar ou na última hora antes de dormir, porque estas são as fases em que estamos mais ligados ao subconsciente” – mais uma vez, fases em que estamos mais ligados ao sono.

Gabriel diz ter conquistado praticamente tudo na sua vida graças à Lei da Atração. “Manifestei diversos detalhes sobre a minha futura casa e agora tenho exatamente essa minha casa de sonho. Quando assinei o contrato a casa ainda estava em construção, e, quando lá entrei pela primeira vez, os pequenos detalhes que manifestei correspondiam exatamente à realidade.” Relativamente à vida profissional, em dois anos conseguiu aumentar significativamente o seu salário, tornar-se chefe de equipa e trabalhar com grandes marcas – tudo graças, mais uma vez, à Lei da Atração. “Os três passos são ‘Pedir, Acreditar e Receber’; se se fizer os dois primeiros bem, o terceiro é inevitável”.

Muitas pessoas praticam a Lei da Atração de forma inconsciente: “Pedir a Deus também é manifestar. Quando pedimos a Deus, é o Universo que está a olhar por nós e a responder ao nosso pedido.” Ainda assim, para aqueles que tiverem interesse em iniciar a sua jornada de forma consciente, Gabriel sugere que se distanciem da Lei da Atração e da manifestação e que se foquem primeiro na espiritualidade, isto é, “pensarem onde é que podem ir buscar as instruções para viverem a vida que querem viver, e perceberem que as respostas estão todas dentro deles próprios.” A outra peça-chave passa por pensar de forma positiva e acreditar que somos capazes de atingir tudo o que queremos. Para Gabriel, “os pensamentos negativos vão-nos sempre acompanhar, mas conseguimos separar-nos destes pensamentos ao observá-los e substituí-los por pensamentos positivos.”

III – Gabriela Costa

Foi através da mãe que Gabriela Costa, 18 anos, descobriu a Lei da Atração. A prática já decorre há quatro anos, após ver o documentário O Segredo. “Senti que poderia ser uma maneira de passar a utilizar uma forma de pensar positiva”, conta.

Nos primeiros tempos, as técnicas mantiveram-se simples, uma vez que Gabriela ainda mantinha alguma desconfiança relativamente ao assunto. Começou pelo pensamento: primeiro, pensava em como era grata por tudo o que tinha e, depois, começava a pensar naquilo que queria conquistar. Atualmente, gosta de ir experimentando técnicas novas, mas o que faz mais frequentemente é pensar apenas no objetivo e no desejo, escrever e usar o Japamala, um terço hindu com 108 contas. Gabriela utiliza este objeto para praticar a técnica Ho’oponopono, recitando diversas vezes o mantra: “Sinto muito, me perdoe, eu te amo, sou grata”.

Japamala Fonte: Coisas Minhas

Gabriela nunca deixou de trabalhar para o que queria, mas sente  que a Lei da Atração a ajudou a alcançar o seu futuro ideal. “Acredito que a Lei da Atração seja muito geral, por isso, podemos manifestar aquilo que quisermos”, revela, exemplificando aquilo que costumava manifestar ao Universo no início da prática: notas para os testes, objetos que queria ter ou, simplesmente, objetivos que queria alcançar. Acrescenta que, assim que a manifestação se tornou mais presente na sua vida, começou a ambicionar objetivos maiores, como a entrada na universidade e no curso dos seus sonhos.

Para Gabriela, o Universo traduz-se em tudo o que nos rodeia. “Somos movimentados por energias; por isso, o Universo será toda a energia que existe.” A Lei da Atração é uma maneira de pensar e de atrair o que se quer para o futuro, bem como uma forma de quem a pratica estar mais conectado com as energias e, consequentemente, com o próprio Universo. A manifestação funciona, então, como uma oportunidade para transmitir uma energia daquilo que se quer atingir. Apenas se o Universo assim o quiser, é que podemos receber essa energia de volta.

A Lei da Atração é algo muito presente na vida da jovem estudante, que manifesta e expõe diariamente ao Universo os seus desejos. “É algo muito normal no meu pensamento. Como é algo muito fluído, muitas vezes manifesto sem intenção de manifestar.” Esclarece ainda que pensa que a manifestação mudou a sua vida: agora, consegue pensar de maneira muito mais positiva, já conseguiu alcançar muito dos seus objetivos, e começou a praticar a gratidão diariamente.

Um dos episódios mais marcantes na jornada espiritual da jovem foi a utilização das  técnicas da Lei da Atração para manifestar uma viagem em família a Barcelona, viagem essa muito improvável de acontecer. A verdade é que, um ano e meio depois, e após consecutivas práticas, Gabriela viu-se na cidade das Ramblas juntamente com os seus entes mais queridos.

No entanto, quem se for iniciar na Lei da Atração tem de ter bem assente que nem tudo o que quer se vai tornar realidade. Segundo Gabriela, “há certas coisas que não são para acontecer. Há energias que não estão no nosso caminho”. Ainda assim, afirma que já conseguiu ver muitos resultados a curto, mas também a longo prazo. A jovem não deixa de frisar que não basta entregar tudo ao Universo e à manifestação: “Acredito que existe uma relação entre o nosso esforço e o Universo”. Gabriela Costa explica que, ao manifestar, envia um sinal não só ao Universo, mas também ao seu próprio cérebro, fazendo com que mentalize melhor os seus objetivos e aquilo que quer vir a conquistar e, consecutivamente, que trabalhe mais para o conseguir. “Se trabalhar para o quero, se manifestar aquilo que quero e se for grata pelo que tenho, acabo por conseguir muita coisa no meu futuro.” Apesar disso, a jovem acredita num destino principal e perfeito para cada um de nós – um destino que pode mudar, mas que nunca poderá fugir ao que deveria ser inicialmente, uma vez que cada um tem uma missão a cumprir.

No que toca à manifestação, há uma palavra proibida: o “não”. Gabriela explica que, quando se utiliza essa palavra ou qualquer outra forma de negação, acabamos por pensar no que não queremos: “Quando pensamos no que não queremos, estamos a emanar e a pedir que isso aconteça, porque nós pensamos e atraímos e recebemos de volta”. Menciona ainda que há pessoas que não conseguem ver resultados da prática nas suas vidas porque, mesmo manifestando, são capazes de passar o dia inteiro a reclamar. Por causa disso, essas pessoas acabam por anular a força positiva da manifestação com os seus pensamentos negativos. “Uma pessoa que vive sobre a Lei da Atração tem de praticar ao longo do dia, mudar certas ações, praticar ações empáticas e não simplesmente viver numa negação absoluta enquanto manifesta.”

Numa prática cada vez mais popular em todo o mundo, procurar mais informação e aprender mais torna-se relativamente acessível. Gabriela revela que continua até hoje a pesquisar sobre o assunto e aprende, sobretudo, com novosdocumentários, com livros e até com criadores de conteúdos que expõem algumas técnicas de manifestação nas redes sociais. Um exemplo disso é a youtuber Elizabeth Russo, com quem Gabriela aprendeu a técnica Ho’oponopono.

Gabriela deixa, ainda, um conselho para quem se quer iniciar na Lei da Atração: “Começar a Lei da Atração é começar a mudar a nossa mente, a pensar de maneira positiva e a evitar as reclamações e as negações do nosso dia a dia”. Assim, a manifestação acaba por ajudarquem a pratica a  evoluir como pessoa e a ter uma força maior para alcançar o que mais se deseja.

IV – O confronto com a ciência

No mundo da Lei da Atração, a ideia de que os nossos pensamentos podem influenciar eventos futuros de forma benéfica atribui a esta crença uma carga positiva e inspiradora. Mas a psiquiatria e a psicologia dão-lhe um outro nome – pensamento mágico – e um peso diferente: uma crença errada pode, em alguns casos, e em graus distintos, estar associada a psicopatologias em que parte da perceção da realidade está alterada. A preocupação surge quando “essas ideias são irredutíveis e não cedem à argumentação lógica”, explica a médica psiquiatra Teresa Trindade. “As pessoas saudáveis também recorrem ao pensamento mágico em determinadas circunstâncias”, acrescenta a médica. Geralmente este surge como adaptação a uma situação de vida “sob um certo grau significativo de stress, mesmo que transitória.” O pensamento mágico também pode nascer “como resposta a uma necessidade existencial” e estar presente em algumas crenças religiosas. Nesta perspetiva, a crescente popularidade da Lei da Atração pode ganhar novos contornos à luz de uma sociedade pós-pandemia, num período em que é essencial sentir algum controlo sobre o nosso futuro. Mas, realça Teresa Trindade, “nestas situações a pessoa sabe distinguir a realidade da fantasia.”

É inegável o apelo da noção de que podemos ter um grau adicional de controlo sobre o nosso futuro, mas a ciência não cede facilmente à tentação. A visão da ciência é incompatível com a prática da manifestação: não existem provas científicas de que conseguimos alterar o futuro retreinando pensamentos, visualizando ou repetindo afirmações.

Segundo o método científico, o conhecimento passa por um processo rigoroso de colocação de hipótese, análise e confirmação. Teresa Trindade esclarece que “termos certeza de um facto ou acontecimento geralmente não passa de um forte sentimento de confiança ou convicção, embora baseada em conhecimento insuficiente.” A médica alerta ainda para o facto de que este tipo de sentimentos fortes de convicção acarretarem algum perigo, pois “uma vez que raramente são bem fundados, podem tornar-se dogmáticos.” Podem mesmo tornar-nos em fanáticos que tentam convencer-se de uma certeza que inconscientemente sabem não estar disponível.”

Apesar da rejeição dos argumentos da ciência, a invocação de conhecimento científico não é invulgar entre algumas práticas espirituais – daí apelidadas de pseudociências -, e o mesmo acontece com a Lei da Atração. Diferentes autores procuram explicar os mecanismos que estão por detrás da eficácia da manifestação: são usados termos científicos como energia, matéria, frequência, vibração, magnetismo, física quântica, ou mecânica quântica, sem na verdade recorrerem aos conhecimentos das disciplinas da física, da psicologia ou da neurociência. Estas palavras são usadas como sinal de erudição e, por isso, apelam à ilusão do conhecimento. Afinal, a maioria dos cidadãos comuns não compreende facilmente afirmações que invocam conhecimentos de física quântica sem a compreender como um especialista e ao argumento de autoridade. O Segredo está repleto de citações de professores, mentores, escritores e filósofos ao longo dos séculos, muitos deles ligados à área da autoajuda. Entre nomes como Ghandi e Thoreau, Rhonda Byrnes tira benefício de uma falácia lógica chamada argumento da autoridade para confirmar crenças intuitivas que já tínhamos.

Do ponto de vista psicológico e social, a Lei da Atração é uma demonstração clara de um aspecto próprio da experiência humana: a procura por explicações acerca do desconhecido e por orientações para o futuro. Segundo a psicologia, existe em quem pratica a Lei da Atração uma propensão intuitiva para acreditar nos casos que confirmam a sua eficácia e para criar relações de causa-efeito onde estas não existem. Isso acontece ainda mais facilmente se aquilo que ouvirmos e lermos encaixar num determinado padrão (correlação ilusória): criamos uma imagem distorcida da realidade onde atribuímos significado a coincidências como “estava agora a pensar na possível nova oferta de trabalho e, no mesmo momento, ligaram-me a oferecer a nova posição!”

Para processar rapidamente informação do meio que nos rodeia no dia-a-dia, o nosso cérebro utiliza frequentemente distorções de julgamento (vieses cognitivos) para fazer avaliações e interpretações céleres, acabando por criar interpretações ilógicas ou pouco exatas. Por exemplo, temos tendência a reparar em certos eventos, em detrimentos de outros, por já termos pensado neles anteriormente e estarmos inconscientemente focados neles (viés de confirmação). É o que acontece, por exemplo, quando desenvolvemos uma superstição: recordamos as vezes em que um gesto foi realizado próximo de resultados positivos, mas esquecemos as vezes em que a mesma ação, num espaço de tempo semelhante, não foi sucedida pelo mesmo resultado. Além disso, estamos predispostos a tirar automaticamente conclusões que se alinham com as nossas expectativas ou crenças prévias. As nossas crenças intuitivas não exigem evidências científicas formais.

Também é comum distorcermos memórias e relembrarmos dois eventos como sendo mais próximos do que eram na realidade, ou até em ordem inversa. Estes e outros fenómenos psicológicos ajudam a explicar parte da crença apaixonada no poder de manifestar o futuro. À luz da psicologia, quando a Lei da Atração nos diz para associarmos certos bons pensamentos ou boas ações a bons resultados, passamos a focar a nossa atenção nos exemplos positivos e reforçamos a ilusão de que a prática funciona.

Os mecanismos psicológicos atribuídos à crença na Lei da Atração não se passam só a nível individual. Enquanto seres sociais, não somos imunes às ações das pessoas que nos rodeiam. Gostamos de agir e de pensar como outras pessoas, porque esse dado parece confirmar o valor das nossas ações, um fenómeno a que os psicólogos chamam prova social. Além disso, algumas crenças ajudam-nos a “estabelecer vínculos afetivos que nos permitem relacionar com os outros e viver em sociedade de forma harmoniosa”, explica Teresa Trindade. “O ato de pensar, julgar, tirar conclusões é também uma forma de ajustamento à vida mesmo que não estejamos no domínio da ciência. As crenças, os mitos, criam laços entre o grupo apesar de, na maioria das vezes, não corresponderem à verdade objetiva ou científica”.

Os crentes na Lei da Atração não requerem explicações científicas para tirar proveito da sua prática e sentir os seus benefícios. “Acredito que a ciência é algo muito exato, mas que não determina o nosso destino, nem o nosso futuro em concreto. A Lei da Atração funciona de forma diferente da ciência. Acho que não devem ser comparadas”, diz Gabriela Costa para esclarecer a sua perspectiva. Gabriel de Barros acrescenta que a peça fundamental para que a Lei da Atração funcione não é a ciência, mas a crença: “Sou da opinião de que não é preciso haver provas científicas para acreditares em algo e, portanto, as provas existem se tu próprio tentares praticar. Qualquer pessoa que tente fazer, vai conseguir; vai chegar ao ponto em que vai ver – e aí estão as provas.”

V – Reflexão sobre escrever “Pedir, Acreditar e Receber”

Escrever “Pensar, Acreditar e Receber” foi desafiante a vários níveis. Logo na escolha do tema deparámo-nos com uma grande adversidade. Falar sobre espiritualidade ainda é, hoje é dia, bastante complexo, uma vez que é algo abstrato e visto com estranheza por uma grande parte da população portuguesa. Assim, o primeiro desafio prendeu-se com a necessidade de compreender e explicar ao leitor conceitos que têm um significado para os praticantes da Lei da Atração diferente daqueles definidos cientificamente, como “Universo” ou “manifestação”.

Quando iniciamos o processo criativo para a construção desta reportagem, cometemos o erro de supor que estes conceitos estavam mais interiorizados no público em geral do que estão realmente, como viemos a descobrir. Mesmo entre as pessoas que praticam a Lei da Atração, as palavras por detrás da crença conseguem acarretar significados bastante distintos, dependendo das experiências de cada um e, sobretudo, daquilo em que cada um quer acreditar.

Além disso, apercebemo-nos também do preconceito relativamente a este tema, e a outros tópicos no campo do esoterismo. Numa primeira recolha de ideias, pensamos em utilizar o tema Tempo – tema da revista – numa perspetiva mais relacionada com a previsão do futuro. No seguimento, procuramos entrevistar uma vidente, que se mostrou, desde início, bastante reticente em dar a cara, receando o julgamento e o tom que o artigo poderia tomar. Mesmo sendo completamente claras relativamente às nossas intenções, acabámos por não ter mais nenhuma resposta até à data de fecho do artigo.

Quando mudámos a perspectiva da reportagem de previsão do futuro para a sua manipulação, rapidamente entendemos que marcar entrevistas não iria ser fácil. Foram vários os “nãos” que acabaram por dificultar o nosso planeamento e calendarização. Após várias semanas de trabalho, chegámos, finalmente, às nossas personagens finais.

Esperamos que “Pensar, Acreditar e Receber” tenha contribuído para uma nova perspetiva acerca da espiritualidade, em particular da Lei da Atração, um tópico que, até ao momento, não foi muito explorado em termos mediáticos. Com esta reportagem, o nosso objetivo foi dar a conhecer ao público de forma objetiva, sem quaisquer tabus ou filtros, esta prática que se tem tornado cada vez mais popular um pouco por todo o mundo.

Nota: Este artigo foi realizado no âmbito da cadeira Narrativas e Guião para Jornalismo, no 1.º semestre do 2.º ano do curso de Jornalismo.

“Pedir, Acreditar e Receber” foi concebido para poder ser lido sem explicações minuciosas adicionais. Contudo, dado o aspecto eclético da espiritualidade em geral, e da Lei da Atração em particular, a reportagem é acompanhada de um glossário que esclarece de maneira mais detalhada conceitos que se podem confundir com as acepções do senso comum ou conceitos religiosos prévios.

Apesar de os principais conceitos serem explicados na reportagem e de ser possível inferir certas informações pelo contexto, gostaríamos que o leitor tivesse acesso a esclarecimentos mais detalhados no sentido de poder esclarecer dúvidas que surjam com a leitura do texto, sobretudo se esta tiver sido o seu primeiro contacto com os tópicos mencionados. Ainda assim, as definições presentes no glossário não são um  requerimento absoluto para uma leitura compreensiva.

Glossário

Crença: Convicção e disposição de um indivíduo para admitir ou aceitar algo, para aderir a uma opinião, a uma doutrina ou ideologia.

Espiritualidade: Não existe uma definição comum e o significado da palavra evoluiu ao longo da história e toma várias acepções em diferentes contextos históricos e religiosos, mas atualmente é usada para abranger uma grande variedade de práticas esotéricas e tradições religiosas. O uso moderno está associado à experiência subjetiva do sagrado e dos valores mais profundos pelos quais as pessoas regem as suas vidas, o que pode ou não envolver crenças do domínio sobrenatural.

Manifestação: Termo usado para várias estratégias em que o praticante deve visualizar mentalmente os seus desejos para que se tornem realidade. As técnicas de manifestação existentes baseiam-se na Lei da Atração. Pode referir-se à prática do pensamento positivo, a pedidos feitos diretamente ao Universo, ou a gestos concretos.

New Age: O movimento New Age refere-se a um conjunto de práticas e crenças religiosas que se popularizaram rapidamente no mundo ocidental durante as décadas de 70 e 80. Por ser composto por elementos muito diversos e tendências divergentes, é difícil criar uma definição precisa, embora possa ser superficialmente resumido como um movimento espiritual que une Mente-Corpo-Espírito e onde o princípio espiritual mais alto é o amor ao próximo. Práticas como o reiki, a homeopatia, a aromaterapia e a utilização de cristais foram propagadas em culturas ocidentais durante este período.

Pensamento mágico: Crença errada de que os pensamentos, palavras ou ações do indivíduo podem provocar ou evitar um determinado acontecimento de um modo particular que desafia as leis normais de causa-efeito.  (de acordo com a 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais da Associação Psiquiátrica Americana, DSM V). Pode fazer parte do desenvolvimento normal das crianças e, nos adultos, surge associado a quadros psicopatológicos, como no caso da perturbação-obsessiva compulsiva, da esquizofrenia ou de perturbações da personalidade. Também pode surgir em pessoas saudáveis como adaptação a situações de maior stress ou estar presente em algumas crenças religiosas

Reenquadramento cognitivo: Técnica psicológica que consiste em identificar e alterar a forma como experiências, eventos, ideias ou emoções são vistas. Neste processo, emoções, ideias e pensamentos são desafiados, repensados e alterados.

Afirmação (affirmation): Frase cuidadosamente formulada que deverá ser escrita ou repetida mentalmente de forma frequente. Para ser eficaz, deve estar no presente, ser positiva, pessoal e específica. O termo é usado primariamente para a prática do pensamento positivo e auto-capacitação (self-empowerment), fomentando a crença de que uma atitude mental positiva alimentada por afirmações permitirá atingir os resultados pretendidos.

Visualização criativa (frequentemente referida apenas por visualização): Processo cognitivo em que uma pessoa gera, propositadamente, imagens mentais visuais (com os olhos abertos ou fechados), simulando ou recriando percepções visuais. O objetivo é analisar as imagens, mantendo-as ou alterando-as, para modificar as emoções e sentimentos associados, com a expectativa de um efeito benéfico futuro a nível fisiológico, psicológico ou social (por exemplo, a aceleração da cicatrização de feridas, a diminuição da dor física ou o aumento da auto-estima).

Pseudociência: Corpo de conhecimento, crença ou prática que alega basear-se em fatos científicos, mas que não deriva da aplicação de métodos científicos válidos e carece de provas científicas. O termo é frequentemente usado de forma depreciativa, pelo que crentes e praticantes tendem a rejeitar a sua utilização.

Sonho lúcido: Tipo de sonho no qual o indivíduo se torna consciente de que está a sonhar enquanto sonha. Durante um sonho lúcido, a pessoa pode ganhar algum grau de controlo sobre a narrativa, as personagens e o ambiente, mas tal não é estritamente necessário para que seja descrito como lúcido. O fenómeno ainda está a ser estudado nos campos da neurologia, psiquiatria e psicologia e existem várias teorias científicas e filosóficas em desenvolvimento.

Ho’oponopono (ho-o-pono-pono): Prática havaiana antiga focada num pedido de reconciliação e perdão, tradicionalmente realizada por curandeiros com as famílias (práticas semelhantes são tradicionais em todo o Pacífico sul).

Mantra: Expressão sagrada, som divino, sílaba, palavra, fonema, grupo de palavras recitados ou cantados repetidamente e aos quais se atribuem poderes religiosos, mágicos ou espirituais (a tradução literal a partir do sânscrito é “instrumento para conduzir a mente”). O tipo e utilização dependem da filosofia de origem (hinduísmo, budismo, jainismo, siquismo, etc.)

Universo: Na perspetiva espiritual, Universo é um termo abrangente usado para um Poder Superior que transcende os limites físicos da perceção humana, com qualidades omniscientes, omnipotentes e omnipresentes. Algumas vertentes espirituais descrevem um Ser energético de alta vibração, que existe para lá do reino físico.

Método científico: Conjunto de regras e procedimentos que produzem o conhecimento científico, baseado na coleção de provas empiricamente verificáveis (baseadas na observação sistemática e controlada), análise, testagem e eliminação de hipóteses, através de métodos de raciocínio específicos.

Ilusão do conhecimento: Fenómeno explicado por sociólogos que assenta no facto de termos maior tendência para acreditar que entendemos um tema melhor do que efetivamente o fazemos. Assemelha-se ao efeito Dunning-Kruger, um viés cognitivo no qual pessoas com baixa habilidade e conhecimento numa área sobrestimam a sua competência e conhecimento nessa mesma área.

Falácia: Raciocínio errado usado na construção de um argumento, que o torna inválido. Falácias podem ser usadas intencionalmente para manipular e persuadir, ou sem intenção, devido a falta de atenção, vieses cognitivos ou falta de conhecimento.

Argumento da autoridade: Forma de argumento em que a opinião de uma autoridade sobre um tópico é usada como evidência para apoiar um argumento. Pode ser uma forma convincente de argumentação se todos os lados de uma discussão concordarem sobre a confiabilidade da autoridade no contexto dado, ou pode ser considerado uma falácia citar as opiniões pessoais de uma autoridade sobre um tópico discutido como meio de apoiar um argumento.

Intuição: Processo utilizado para chegar a uma conclusão ou adquirir conhecimento sem recorrer a raciocínio consciente. Pressentimentos são um exemplo de um fenómeno intuitivo. O conhecimento intuitivo é tendencialmente pouco exacto.

Correlação ilusória: viés cognitivo no processamento de informação através do qual estabelecemos relações entre duas variáveis independentes; a confirmação de estereótipos ou preconceitos é um exemplo de correlação ilusória.

Viés cognitivo: Padrão de distorção do raciocínio, causado pela tendência do cérebro humano para simplificar informação ao processá-la de acordo com as nossas experiências prévias e preferências. Os vieses cognitivos permitem ao cérebro priorizar e processar largas quantidades de informação rapidamente e conduzem a conclusões pouco exatas e interpretações ilógicas ou irracionais.

Prova social (ou influência social informativa): Fenómeno psicológico e social onde indivíduos alteram as suas opiniões ou ações para se aproximarem às de um grupo. A conformidade ocorre porque desejamos estar corretos e acreditamos que outros terão informações que ainda não temos. É bastante utilizado em técnicas de marketing e pode ser vulgarmente conhecido como “comportamento de manada”.

Viés de confirmação: viés cognitivo que assenta num erro de raciocínio indutivo: a tendência de nos lembrarmos, interpretarmos e pesquisarmos informações de maneira a confirmar as nossas crenças anteriores; fazemos inconscientemente uma reunião seletiva de provas que sustentam aquilo em que uma pessoa já acredita enquanto se ignoram evidências que sustentam uma conclusão ou crença diferente).Viés de observador: viés cognitivo assente no desvio sistemático de fatos exatos durante a observação e registo de dados e informação em estudos; tendência para ver ou concluir aquilo que se espera ou quer ver, sem estar consciente disso ou ter atuado propositadamente.