DEMOCRACIA

TENHO 18 ANOS, E AGORA? – Democracia e Saúde Mental

À medida que crescemos e evoluímos, adquirimos noção sobre aquilo que é a vida em sociedade, e damo-nos conta das expectativas que existem em relação ao modelo da “vida ideal”, que devemos seguir. Estas expectativas podem criar ilusões e ser a causa de muitos prejuízos na saúde mental.

Mafalda Gonçalves, Margarida Correia e Mariana Ranha

“Tenho 18 anos, e agora? –  Democracia e Saúde Mental” é um artigo multimédia que pretende investigar o impacto que, a partir da maioridade, o estado da saúde mental pode ter no ambiente social e político onde nos inserimos e de que forma, consequentemente, estas questões podem afetar a participação dos jovens na vida pública.

Saúde mental: um conceito fundamental

Quando pensamos em saúde, restringimo-nos, quase sempre, ao funcionamento físico do corpo, ignorando um aspeto igualmente crucial: a saúde mental. Quantas vezes olhamos para as pessoas ao nosso redor e não percebemos que estão a passar por algo sério?

O estado da saúde mental nem sempre se revela de forma evidente, mas é, na realidade, uma dimensão da vida que atravessa silenciosamente o dia a dia de milhões de pessoas, cuja importância ainda não ocupa o espaço que merece, tanto em questões públicas como políticas.

Enquanto cuidamos do nosso corpo, com idas regulares ao médico ou práticas de alimentação e exercício físico, o mesmo cuidado é, raramente, dedicado à mente. No entanto, tal como o coração, o nosso estado mental é indispensável para um funcionamento equilibrado e para o bem-estar social.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde mental é muito mais do que a ausência de doenças mentais: é uma condição essencial para o bem-estar geral do indivíduo, caracterizada pela qualidade de vida cognitiva, emocional e social.

Apesar da crescente conscientização sobre o tema, este pilar, cujo impacto na vida quotidiana é substancial, continua a ser frequentemente ignorado ou subestimado em comparação com a saúde física. Mas como se reflete este ideal em sociedades marcadas por crises sociais, políticas e económicas? De que forma a saúde mental influencia ou é influenciada por esses fatores?

“Desvalorizamos frequentemente a saúde mental e o bem-estar. Pensamos que o sucesso profissional trará automaticamente dinheiro. Acreditamos que não temos tempo para cuidar de nós. Mas a verdade é que o bem-estar é necessário para conseguirmos construir um futuro sólido e sustentável, com melhor saúde física e mental.”Fundação José Neves

Na Europa, 165 milhões de pessoas (46%) são afetadas por algum tipo de doença ou perturbação mental, como ansiedade, depressão ou distúrbios comportamentais, como mostrado num estudo do Eurobarómetro.  Estima-se que apenas um quarto recebe tratamento e, entre estas, menos de 10% beneficiam de intervenções adequadas. Nos jovens, a situação é ainda mais crítica: um em cada sete jovens, entre os 10 e os 19 anos, sofre de um transtorno mental (15%). Em muitos casos, os problemas não diagnosticados nem tratados culminam em suicídio, a terceira principal causa de morte entre os jovens dos 15 aos 29 anos.

Dados relativos à percentagem de indivíduos com problemas psicológicos ou emocionais (Eurobarómetro)

Se ampliarmos a lente, o cenário português não é menos alarmante: mais de um quinto da população (22,9%) sofre de uma perturbação psiquiátrica, colocando o país como o segundo da Europa com maior prevalência. Nos jovens, um inquérito realizado pela Raising Youth for Sustainable Evolution (RYSE) e pela Associação Nacional de Estudantes de Psicologia (ANEP) revelou que 48% dos estudantes universitários apresentam sintomas graves como ansiedade e depressão. Entre eles, 23% admitiram já ter considerado o suicídio.

Com o objetivo de oferecer uma visão mais próxima e pessoal sobre a saúde mental dos jovens, realizámos um inquérito de resposta anónima a 57 estudantes da licenciatura de Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), com idades entre os 18 e 25 anos. As perguntas eram de escolha múltipla e de resposta aberta.*1

Os resultados da pesquisa revelaram que 100% dos inquiridos têm plena consciência do conceito de saúde mental, evidenciando um alto grau de conscientização entre os jovens. Contudo, compreender o conceito de saúde mental não implica, necessariamente, que os estudantes a preservem ou cuidem adequadamente dela: 91,1% dos inquiridos revelaram que já vivenciaram crises de ansiedade, e, destes, 46% enfrentaram essas crises há menos de um mês.

Quando questionados sobre os fatores que mais afetam a sua saúde mental, as respostas foram unânimes: a pressão académica, social e familiar são as principais influências negativas.

“Neste momento, a maior responsabilidade que tenho em mãos é conciliar a grande quantidade de trabalho com o pouco tempo que tenho para o fazer. Faz com que ponha em segundo plano o descanso, o tempo de qualidade com outras pessoas e, mesmo, a alimentação. Tudo isto culmina num psicológico mais frágil”

Este cenário espelha a realidade de muitos jovens, que, apesar de estarem cientes da importância do estado da saúde mental, enfrentam um ambiente adverso que dificulta a sua preservação. Em resposta à pergunta “Há apoio suficiente na atividade que desenvolves?”, 53,6% dos inquiridos responderam negativamente. A faculdade, embora seja um espaço de aprendizagem e desenvolvimento, torna-se, muita das vezes, num ambiente de pressão e stress, onde a gestão inadequada de tempo e de expectativas contribui para um quadro de fragilidade emocional.

Há apoio suficiente na atividade que desenvolves?

Gráfico pertencente ao inquérito de resposta anónima a 57 estudantes da licenciatura de Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), com idades entre os 18 e 25 anos.

Porque é que a saúde mental é tão importante como a saúde física?

A saúde mental não é apenas um reflexo das condições psicológicas individuais, mas também de fatores sociais, económicos e políticos, como a pandemia da COVID-19 e as notícias constantes de conflitos sangrentos como a guerra na Ucrânia e em Gaza…. O acesso desigual a redes de apoio, a discriminação e o estigma que cercam estas condições reflete-se na vulnerabilidade social dos jovens, expostos à pobreza, à exclusão ou à violência, e que, consequentemente, enfrentam maiores riscos não só para a saúde mental, como também para o bem-estar físico e emocional.

Por outro lado, a transição para a vida adulta acarreta desafios inevitáveis, como a pressão académica e profissional, caracterizados pela procura de autonomia e independência, crucial para a emancipação e construção de uma identidade. Sem uma rede de apoio adequada estes desafios tornam-se fontes de stress que podem progredir para problemas mais graves.

Paralelamente, a falta de literacia em saúde mental e os preconceitos associados a estas doenças psicológicas levam a que a maioria dos jovens desconheça os sinais iniciais, como insónias, alterações de humor ou perda de interesse em atividades do quotidiano. A falta de informação não só contribui para o agravamento destas condições, como reforça o estigma e dificulta a procura de ajuda. Consequentemente, os meios de comunicação e as redes sociais promovem representações tendenciosas ou sensacionalistas, ao invés de fomentar uma compreensão informada e empática.

No entanto, o estado da saúde mental não afeta apenas o indivíduo. É também um pilar essencial para a participação pública e para o exercício pleno da cidadania ativa. Jovens que sofrem de transtornos psicológicos enfrentam maiores obstáculos para se envolverem na vida política, social e cultural, o que contribui para uma sociedade menos inclusiva e participativa.

Apesar de todos estes dados, a saúde mental continua a ser subvalorizada em comparação com a saúde física. A compreensão daquilo que está em jogo exige mais do que estatísticas: exige um compromisso coletivo para desmistificar as condições mentais, investir em cuidados de saúde e redes de apoio adequadas e promover uma cultura de bem-estar social.

Afinal, falar de saúde mental não é um sinal de fraqueza, mas uma necessidade básica e uma responsabilidade de todos.

A ignorância acerca da saúde mental

A saúde mental desempenha um papel importante na capacidade que cada um tem para lidar com os desafios da vida e para estabelecer relacionamentos saudáveis dentro da sociedade. Apesar disso, a falta de literacia em saúde mental continua a ser um desafio, limitando o reconhecimento, a prevenção e o tratamento de transtornos mentais por parte de cada um.

Uma das principais razões para a existência desta falta de literacia é a permanência de estigmas e preconceitos em torno do tema. Muitas pessoas insistem em associar doenças mentais à fraqueza ou instabilidade, desencorajando quem sofre a procurar por ajuda. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a desinformação é um dos principais obstáculos para se aceder aos cuidados adequados, uma vez que estimula ideias erradas e discriminatórias.Cada vez mais, os jovens, em particular, são gravemente afetados por esta falta de literacia. Em contextos escolares, por exemplo, os estudantes são confrontados pela ansiedade, depressão e outros transtornos mentais e, na maior parte das vezes, pela exigência académica e pressão social. Um relatório da UNESCO destaca que a literacia, especialmente sobre saúde mental, é fundamental para preparar as gerações mais novas e, com isso, torná-las capazes de enfrentar os desafios da sociedade, desenvolvendo o seu empenho na mesma.

“(…) da mesma forma que nós educamos as nossas crianças desde pequenas a não ver a vacinação como uma coisa estranha (…) o acompanhamento a sério da saúde mental devia beneficiar do mesmo tipo de opinião e de perspetiva”

Pedro Pereira Neto, Sociólogo

A escola é um dos ambientes mais influentes na formação de crianças e jovens, sendo um ótimo centro de promoção da saúde mental e da sua literacia. Integrar temas como a saúde mental no programa escolar não só ajudaria os alunos a compreender e cuidar da sua saúde emocional, como também contribuiria para a criação de ambientes mais inclusivos e acolhedores. A literacia sobre saúde mental, para além de reconhecer os transtornos mentais, também abrange a capacidade de identificar, compreender e responder de forma adequada às questões psicológicas e emocionais.

“Tornar mais regular, mais frequente, mais banal, a procura deste tipo de literacia, e de cuidados de saúde (…)”– P. P. N.

Sem a educação adequada, o estigma em torno da saúde mental persiste, dificultando a procura de ajuda. Em Portugal, estudos indicam que cerca de 48% dos estudantes universitários apresentam sintomas psicológicos graves, muitas vezes relacionados à falta de uma educação relacionada à saúde mental desde os primeiros anos escolares. Incluir um tema como este no contexto escolar é prevenir problemas mais graves no futuro.

“(…) eu não sou defensor de uma visão das instituições como vendedores de currículos e de certificados.” – P. P. N.

Os media e a sociedade

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, a sua importância na sociedade tornou-se crucial na informação e percepção públicas sobre diversos temas, entre eles, a saúde mental. Quando utilizados de forma responsável, os media podem ser ferramentas poderosas para a construção de uma sociedade mais informada e consciente. No entanto, a saúde mental é um tema que, quando é abordado, tem impactos diretos na literacia da população e na forma como, mais tarde, a mesma lida com o tema. Segundo a OMS, campanhas mediáticas que sejam bem estruturadas têm o potencial de reduzir o estigma associado às doenças mentais, aumentar a procura de ajuda e sensibilizar a sociedade para a importância da prevenção.

Uma cobertura mediática pode ter consequências negativas ao ser utilizada de forma irresponsável. Quando um tema como a saúde mental é falado sem nenhum tipo de informação concreta e relacionada a mitos e estereótipos, os media contribuem para o aumento da desinformação. Exemplos disso são, por vezes, as notícias que associam transtornos mentais a comportamentos violentos. 

Este tipo de abordagem nos meios de comunicação não só perpetua ideias erradas, como também dificulta o acesso das pessoas a serviços de saúde mental por medo de serem criticadas.

Outro aspeto importante a abordar é o papel das redes sociais. Estas plataformas são, por vezes, o elo de ligação entre a sociedade e o mundo, pois a forma como as informações são consumidas e partilhadas molda as perceções das pessoas sobre si mesmas e sobre o mundo, influenciando diretamente o seu bem-estar emocional e psicológico. À medida que as redes sociais se tornam parte da vida diária, é preciso entender o seu impacto na saúde mental.

“Uma das principais e mais acessíveis fontes de conhecimento em literacia ou saúde mental são precisamente estes nossos suportes (…)” – P. P. N.

O impacto negativo das redes sociais na saúde mental tem sido estudado e documentado, tendo como uma das principais preocupações a comparação e a crítica social constante que ocorre em plataformas deste género. Até que ponto é que precisamos de seguir padrões para nos sentirmos bem e integrados na sociedade? A exibição de vidas “perfeitas” e a pressão de acompanhar os padrões irrealistas de beleza, sucesso e felicidade podem levar a sentimentos como ansiedade e depressão. 

Além disso, as redes sociais promovem frequentemente a era de instantaneidade, isto é, a busca descontrolada por resultados imediatos, onde as pessoas procuram uma validação imediata a partir de likes e comentários, podendo ser emocionalmente desgastante devido à dependência de aprovação e, por sua vez, das redes sociais. Outro efeito negativo notável é a diminuição da qualidade do sono devido ao uso excessivo de redes sociais, especialmente antes de ir dormir.

Assim, a cobertura mediática pode ter um papel duplo na formação de uma sociedade conhecedora e consciente, dependendo da abordagem utilizada: pode informar e educar, mas também pode desinformar, estar na origem de distúrbios e reforçar preconceitos. É importante que os jornalistas e criadores de conteúdo sejam sensibilizados para a importância de uma comunicação responsável e ética sobre saúde mental, promovendo uma sociedade mais informada e solidária.

A desvalorização da importância da saúde mental

Para a criação de uma sociedade mais saudável e equilibrada, é necessário ultrapassar o obstáculo que é a desvalorização da saúde mental. Ao longo das últimas décadas, a Saúde Física tem tido muito mais impacto e valor que propriamente a saúde mental, resultando num estigma negativo e na falta de recursos adequados para apoiar aqueles que enfrentam vários transtornos mentais. Isto implica, muitas vezes, que as pessoas não procurem a ajuda que necessitam, para evitar essa necessidade de ajuda. 

A desvalorização do termo saúde mental está enraizada em várias crenças sociais e culturais que minimizam a importância do bem-estar emocional e psicológico. Em muitos sítios, a ideia de que a saúde mental é sinónimo de fraqueza ou falha de caráter é normalizada, o que leva à vergonha e ao medo do julgamento. Este estigma leva a crer que os transtornos mentais são menos importantes que os problemas físicos. Isto será porque não é visível? Porque é que se considera que uma dor visível é mais forte que uma que não é vista?

“Mas não deveria ser necessário para uma pessoa com alguma dificuldade mental, ter que usar um cartaz a dizer, este edifício não está preparado para mim, este edifício é hostil em alguma medida.” – P. P. N.

Os estudos já referidos apontam que, em países como Portugal, a falta de apoio e a desvalorização da importância da saúde mental são fatores que agravam a situação psicológica dos indivíduos, impedindo-os de procurar ajuda profissional.

O erro está na falta de recursos para prevenir algum transtorno ou para impedir que este se desenvolva? A desvalorização da saúde mental também se reflete na falta de recursos adequados para a prevenção e tratamento de transtornos mentais.

“(…) em alguns casos já não tem solução sequer, infelizmente.” – P. P. N.

Os sistemas de saúde em muitos países, incluindo em Portugal, estão ainda a caminhar para uma abordagem mais igualitária no que toca à saúde mental e física. Isso traduz-se numa oferta limitada de apoio e tratamento para aqueles que necessitam de serviços especializados, resultando em longas listas de espera e no agravamento das condições.

Esta desvalorização da saúde mental tem um impacto direto nas pessoas que, muitas vezes, lidam com o sofrimento em silêncio devido ao medo de serem julgadas. A falta de apoio adequado pode contribuir para o agravamento de problemas emocionais e, em última instância, levar a consequências mais graves, como o suicídio, que continua a ser uma das principais causas de morte entre os jovens.

Para combater a desvalorização da saúde mental, é fundamental que a sociedade, as instituições de ensino, o governo e os meios de comunicação se unam para desmistificar a saúde mental e dar-lhe a importância que merece. Campanhas de sensibilização, mais investimentos em serviços de saúde mental e a promoção da educação emocional nas escolas são algumas das estratégias que podem ser adotadas para inverter este cenário. Só quando a saúde, tanto mental como física, for entendida como um todo, é que se poderá reduzir o estigma, melhorar o acesso a tratamentos e garantir o bem-estar de todos.

As preocupações dos jovens na transição para a “vida adulta”

É imprescindível perceber que o estado da saúde mental não impacta apenas o bem-estar individual do ser humano, mas também tem um impacto significativo na coesão social e na vitalidade das democracias, influenciando diretamente as relações interpessoais e a vida em sociedade.

A partir do momento em que os jovens atingem a maioridade e se enquadram na faixa etária entre os 18 e os 25 anos, começam a adquirir a percepção sobre aquilo que são as responsabilidades e as questões inerentes à transição da adolescência para a “vida adulta”.

É ao longo destes anos que enfrentam um período crítico e crucial de transformação no qual se consolidam decisões sobre a carreira, a identidade e os relacionamentos.

Paralelamente, as questões relacionadas com saúde mental têm assumido uma relevância crescente, uma vez que esta faixa etária enfrenta desafios significativos, como ansiedade e depressão, muitas vezes exacerbados por fatores como a pressão académica, as expectativas profissionais e em relação ao futuro e o impacto das redes sociais.

Essas condições não afetam apenas o quotidiano dos jovens, mas também têm implicações diretas na sua participação cívica. Inês Rodrigues, psicóloga clínica, confidencia que as preocupações cívicas e políticas dos jovens são um tema recorrente nas consultas e reconhece que os jovens são muito competitivos, e isso afeta muito, sobretudo, os níveis de ansiedade, burnout e stress.

“Noto que há uma grande preocupação no que diz respeito a questões como a economia, o mercado de trabalho, a preocupação com o futuro, com o ter que ter estabilidade…”

Inês Rodrigues – Psicóloga Clínica

A influência da saúde mental na participação cívica

Os jovens que enfrentam dificuldades de saúde mental podem apresentar uma maior tendência ao isolamento, apatia e desconfiança em relação às instituições e ao que os rodeia, comprometendo não só a sua disposição, como também a capacidade de atuar ativamente na sociedade.

A participação cívica relaciona-se com o envolvimento em ações e processos que visam o bem comum, como votar, participar em atividades comunitárias, defender direitos e responsabilidades e colaborar na construção de políticas públicas. No entanto, se a saúde mental estiver fragilizada, pode limitar a capacidade de tomar decisões informadas, de participar em diálogos construtivos e de desenvolver uma sensação de pertença e propósito, influenciando diretamente a capacidade e disposição dos jovens para se envolver em questões sociais e políticas.   Bruno Almeida, Mestre em Psicologia e Psicólogo dos SAPE (Serviços de Apoio Psicológico aos Estudantes) e na Escola Superior de Comunicação Social, citando Alfred Adler, afirma que a saúde mental já é encarada de um ponto de vista político. Há, no entanto, muito trabalho a fazer do ponto de vista prático.

“Uma participação ativa é sinal de saúde mental e tem a ver com a sensação de segurança, de conforto e de pertença. A participação ativa na cidadania está inevitavelmente ligada a eu estar bem comigo e estar bem com o grupo.”

 Por outro lado, a ausência e a escassez de uma sólida participação cívica pode criar um “ciclo vicioso” no qual os jovens se sentem ainda mais desconectados e impotentes face aos diversos desafios sociais que se apresentam diariamente.

Em contextos de saúde mental debilitada, as atividades cívicas podem parecer irrelevantes ou inacessíveis, criando um ciclo de afastamento que prejudica tanto o indivíduo quanto a sociedade, já que a pluralidade de perspectivas essenciais para o funcionamento democrático pode ser diminuída.

O estigma associado à saúde mental, a insuficiência de políticas inclusivas e a falta de espaços seguros para o diálogo agravam ainda mais essa exclusão. É, portanto, crucial reconhecer o potencial transformador da juventude, uma vez que os jovens, quando literados, podem tornar-se agentes de mudança social, ao fomentar redes de apoio e ampliar o debate sobre questões estruturais, entre as quais: a saúde mental.

Tornando-se informados desde cedo, os jovens conseguem adquirir capacidades para lidar com o estigma em redor da saúde mental. A literacia em saúde mental, sobre o que é a psicologia, o desenvolvimento humano e a diversidade, provoca a inclusão. Se a sociedade não tiver literacia para a saúde mental irá haver uma maior desvalorização do tema.

A partir do momento em que o estigma deixe de ser compreendido como um motivo de afastamento, promover-se-á a valorização da saúde mental.

Maria da Conceição Soares, coordenadora dos SAPE (Serviços de Apoio Psicológico aos Estudantes), refere a importância da literacia como meio para acabar com o estigma que envolve a saúde mental.

“O estigma da saúde mental tem muito a ver com o facto de assentar numa estrutura que é o sistema nervoso, que nós tendemos a não encarar como um sistema altamente complexo e físico”

O caso da Rafaela Anastácio

Rafaela Anastácio tem 22 anos e é estudante universitária. Acredita, após ter passado por um período conturbado onde viu a sua saúde mental ser comprometida, que a mesma tem influência no seu bem-estar individual e afeta vários domínios, desde o percurso académico à sua participação ativa na sociedade.

“Já tive períodos onde passei por depressão, ansiedade e burnout. Quando entrei em burnout a situação foi completamente diferente, porque estava apática e não tinha motivação para nada. Havia muito pouco que me despertava interesse.”

Ao longo do testemunho, Rafaela reflete sobre os efeitos que a saúde mental teve na sua participação cívica. Defende que se existe dano a nível mental, a motivação que conduz à realização das tarefas mais cotidianas diminui, e, como consequência, existe uma grande probabilidade de que a participação cívica também seja afetada.

“Eu sempre fui envolvida em vários projetos, o que, em muitos deles, acabava por ser um ato político. Na altura do burnout estava mais desligada… acho que acabei por me desligar um bocado derivado do estado de apatia em que estava.”

A jovem afirma que para manter e aumentar o número de jovens interessados e participativos na vida em sociedade, tanto o zelo pelo seu bem-estar como a garantia de meios que permitam a sua plena participação cívica têm de ser eficazes, porque são estas e outras medidas que promovem a transformação e a evolução.

O tema da saúde mental tem tido bastante atenção, não acho é que essa atenção dada seja abrangente. Quando falamos de medidas concretas, o acesso a cuidados de saúde mental no SNS tem de ser melhorado e o governo tem de se debruçar um bocadinho sobre o facto de as pessoas precisarem de ajuda para resolver esses problemas.

A importância do atendimento psicológico

A participação ativa dos jovens na sociedade, alimentada por uma saúde mental equilibrada, pode ter como resultado um maior empoderamento, mais inclusão e um envolvimento mais comprometido com as questões que moldam o futuro coletivo.

Compreender as interseções entre a saúde mental e a participação cívica é essencial para criar estratégias que não apenas apoiem a saúde dos jovens, mas também fortaleçam a democracia.

É neste contexto que Inês Rodrigues defende que o atendimento psicológico é um meio essencial que ajuda os jovens a sentirem-se capazes de participar ativamente na vida em sociedade.

“Pode ajudar totalmente [o atendimento psicológico]. Dá uma autonomia. Portanto pode capacitá-los totalmente, não só para conhecerem-se melhor a eles próprios, mas também para conhecerem melhor e saberem analisar melhor o mundo que os rodeia e o que é melhor para eles.”

“Falar sobre saúde mental não é um sinal de fraqueza, mas sim o primeiro passo para quebrar barreiras, construir empatia e fortalecer a nossa sociedade”

“Não poderia deixar de lado a oportunidade de escrever um artigo sobre um tema tão importante como a saúde mental. Ao longo de todo o desenvolvimento consegui adquirir conhecimentos que me ajudaram a complementar a ideia que eu tinha quando se fala sobre Saúde Mental. A nossa sanidade mental é valiosa e devemos cuidar dela como cuidamos do nosso corpo. Há dias bons e dias menos bons, mas o importante é saber ultrapassar isso. é importante estarmos informados sobre um assunto como estes. A nossa saúde mental é o que nos permite estar bem e participar na sociedade!”

Mafalda Gonçalves

“Mais do que um trabalho, este artigo foi um convite à reflexão, empatia e ação. Falar sobre saúde mental é quebrar tabus e abrir caminhos para que todos possam se sentir ouvidos, compreendidos e apoiados. Se há algo que aprendi com este artigo é que cuidar da mente é tão essencial quanto cuidar do nosso corpo – é um passo para construirmos uma sociedade mais justa e igualitária.”

Margarida Correia

“Desenvolver este artigo para mim foi uma prova de superação. Estou muito feliz por todo o processo e principalmente pelo resultado final. Mais do que tudo, esta jornada serviu para aprender a dar o valor devido à saúde mental, que nos afeta em todos os domínios que possamos pensar. A aprendizagem vai muito para além do óbvio: sou capaz de retirar ensinamentos que levarei para o resto da vida. Falar sobre saúde mental importa e é essencial para a nossa evolução. Quebrar o tabu é necessário para transformarmos a sociedade para melhor.”

Mariana Ranha

  1. A amostra selecionada não é estatisticamente representativa da população jovem em geral. Ainda assim, permitiu-nos compreender as tendências e perceções relevantes sobre o bem-estar psicológico e emocional dos estudantes, oferecendo um retrato aproximado da realidade vivida por esta faixa etária. ↩︎