Sexo
“Um mais um, igual a três”
O tempo de qualidade a dois deve ser prezado pelo casal para que este consiga manter uma relação saudável e equilibrada. Um casal de recém-papás e uma profissional de saúde ajudam na melhor compreensão de como funciona a retoma à vida sexual após o nascimento do primeiro filho. Afinal de contas, abre-se a discussão: no meio dos três onde ficam os dois?
Daniela Nunes, Maria Santiago, Rita Sousa, Teresa Freire
Existem vários momentos marcantes na vida humana, sendo um deles o nascimento do primeiro filho. Para a maioria, é uma incrível surpresa ou, até mesmo, um sonho tornado realidade. Porém, nem tudo é um mar de rosas.
Grandes mudanças psicológicas, biológicas e sociais ocorrem durante a gestação e o pós-parto, as quais podem condicionar a vida sexual do casal. A adaptação a uma nova realidade, acompanhada por mais um membro na família, é um desafio à reintegração do casal na sexualidade.
Maria Carolina Pacheco e Guilherme Figueiredo são um jovem casal, com 33 e 28 anos respetivamente, cujas vidas, no ano de 2023, mudaram por completo. No dia 7 de maio nasceu a pequena Concha, que trouxe consigo uma dose extra de gargalhadas.
Sete meses depois, entre mudas de fraldas, amamentar e reduzidas horas de sono, será que ainda existe a oportunidade para tempo a dois?
“No início, nós estávamos mesmo in love, nas nuvens”
Maria Carolina, mais conhecida por Mimi, sente que ser mãe a definiu ainda mais como mulher. Existem inúmeras diferenças entre a mulher e o homem, mas a recente mãe destaca a capacidade de gerar uma nova vida dentro de si, algo de que apenas uma mulher é capaz. Pelas suas palavras, foi algo que lhe deu “mais power”.
Ser casa para a pequena Concha durante nove meses foi, para Mimi, um processo tranquilo. Apesar de ter passado por uma perda de alguém importante na sua vida e ter sido acompanhada por um psicólogo durante toda a gravidez e no pós-parto, ter o apoio e a ajuda do seu companheiro foi e é um fator crucial. Como a própria conta: “O Gui esteve comigo desde sempre”.
Este sentimento de tranquilidade foi algo que marcou a sua gravidez, sentimento que se estendeu até ao pós-parto. Ir até à praia com a bebé tornou-se a receita perfeita para manter o equilíbrio emocional e ultrapassar uma fase tão delicada: “Estava sempre tranquila. Acordava e ia para a praia com a Concha”, recorda Maria Carolina.
Apoio, confiança, abertura e partilha são aspetos importantes em qualquer relação. Mimi e o seu companheiro, Guilherme, são a prova disso mesmo. A comunicação é dominante na relação deste casal e, por isso, falam abertamente sobre vários temas, incluindo o sexo: “falamos abertamente sobre o tema. Não é um tabu. Desde sempre.”, garante Maria.
Com a chegada da Concha a dinâmica em casa sofreu alterações. O tempo que antes era passado a dois, dividiu-se em três: “Vivemos com mais uma pessoa. Então, não é a mesma coisa”.
Da mesma maneira que as rotinas alteraram, viram também necessidade de se adaptar a novos contextos em volta da vida sexual. O tempo para a intimidade do casal reduz e é necessário adotar novas estratégias: “nós temos de tentar adormecê-la, [a Concha] fica na cama a dormir e aí temos um bocadinho de tempo”, revela Mimi. O cansaço que chega com a parentalidade é um fator que também afeta o desejo sexual do casal: “a Concha vai dormir e eu vou dormir. Ou seja, enquanto antes tínhamos muito mais relações durante a noite, ela [agora] está no nosso quarto. Antes nós íamos deitar-nos e surgia. Agora isso já não acontece”.
A amamentação provoca também algumas modificações no que diz respeito à atividade sexual do casal. O que anteriormente podia ser algo mais erótico, passou a ser a fonte de alimento da bebé. “Agora as minhas maminhas são da Concha. Ele pode tocar, mas faz impressão.”, confessa Mimi. O próprio desejo sexual da puérpera diminui, devido ao desconforto físico que cada mulher sofre nos primeiros tempos. “O apetite sexual mudou completamente nos primeiros meses, pelo menos eu não tinha vontade nenhuma. Eu levei um ponto, então até aos dois meses estava imaculada”, recorda Maria, que teve um parto vaginal. O processo de retoma à vida sexual foi demorado. No entanto, era algo que o casal falava abertamente, de modo a ambos se sentirem bem e confortáveis.
A “luz verde” para regressar a uma vida sexual ativa veio quatro meses após o nascimento da filha, uma vez que já não sentia dores nenhumas, dizendo-nos: “eu própria já ficava mais relaxada.”
O acumular de todas as coisas boas pelas quais passaram ajudou a que tudo se tornasse mais fácil e conseguissem, de facto, criar uma bonita história de amor. “Se há pessoas que às vezes têm bebés para salvar uma relação, não é o caso”, conclui.
“Mas depois cheguei lá e virei um super-homem”
Ao tornar-se pai, e graças à pequena Concha, Guilherme admite sentir-se um homem cada vez mais sensível a certos temas e com responsabilidade acrescida.
O parto, geralmente, corresponde a um episódio intenso, mas, acima de tudo, bonito e emocionante. Como se costuma dizer, depois da tempestade vem a bonança, e, após longas horas, a felicidade e o alívio de ter um filho nos braços são superiores a qualquer dor.
Relativamente ao parto, Guilherme admite que “imaginava mais um conto de fadas dos senhores de bata azul e [ele] do lado de cá, e não é bem assim”. O recente pai sentia-se receoso no que diz respeito a estar presente nesse momento, tendo em conta a sua aversão ao sangue, mas realça: “depois cheguei lá e virei um super-homem. Foi incrível”. Contudo, reconhece que quis proteger-se de algumas das “nóias dos homens”. Segundo Guilherme, assistir ao parto não comprometeu, de todo, o seu desejo sexual, mas optou por não olhar diretamente, porque considera “que isso é que pode traumatizar, de alguma maneira, depois no futuro”.
Apesar de todas as mudanças que uma nova vida como pai acarreta, isso não afeta a maneira como Guilherme olha para a sua companheira, Maria Carolina. “Não olhei para o sexo de forma diferente. Aliás, o meu apetite sexual é igual ou maior do que antes de ser pai”, fundamenta. O ato sexual é igualmente prazeroso, mas houve aspetos relacionados à vida íntima do casal que mudaram. As oportunidades para o tempo a dois diminuíram, assim como a frequência do ato, e, agora, o que antes acontecia naturalmente, acaba por ser combinado ou previamente pensado. “Tivemos de nos adaptar a uma pessoa nova.”, conta. Os espaços passaram a ser outros, assim como as alturas do dia. O quarto e as noites passaram para segundo plano. Guilherme não encara estas mudanças como algo negativo, mas sim uma lufada de ar fresco para a relação: “Quando a Conchinha vai dormir, nós temos aqui um timing especial”, explica.
Regressar a uma vida sexual ativa após o nascimento de um filho pode ser um grande desafio que requer paciência dos dois lados. Enquanto a mulher aguarda que o seu corpo se sinta regenerado, quer a nível físico, quer a nível psicológico, o homem é um pilar fundamental para ajudá-la nessa caminhada.
Apesar de a sexualidade não ter sido um tema abordado nas consultas de planeamento familiar que frequentaram, Guilherme admite ter conversado com amigos próximos que passaram por esta experiência, o que fez com que o casal encarasse esta jornada de forma mais tranquila. “Nas consultas de planeamento familiar que tivemos, eles não abordaram as questões da sexualidade no pós-parto. Nós tínhamos esses contactos com pessoas que já são pais e que passaram pelo que estamos a passar agora e, pronto, deram-nos aqueles inputs essenciais. Melhor do que os médicos, não é?”, questiona.
A par da falta de acompanhamento no que diz respeito ao regresso à vida sexual, Guilherme revela ainda a falta de apoio psicológico. “Gostava que tivesse havido isso e os pais não têm direito a nada”, realça.
“Aos poucos e poucos, vamos voltando à normalidade”
Confiança e partilha são as palavras-chave que, para Guilherme e Maria Carolina, descrevem o conceito de intimidade. “Quanto mais confiança, mais intimidade nós temos com a pessoa”, explica Guilherme. A intimidade vai além do sexo. Como afirma Maria Carolina: “Há vários tipos de intimidade. Pode começar desde uma conversa até depois à parte sexual. Estamos os dois a partilhar coisas”.
Numa conversa informal, Maria Carolina e Guilherme, agora juntos, debatem os temas e as questões levantadas anteriormente.
Cada caso é um caso
Fátima Pereira, especialista em saúde materna e obstetrícia, trabalhou muitos anos nas salas de parto do Hospital São Francisco Xavier e é, atualmente, enfermeira nos cuidados de saúde primários no Agrupamento de Centros de Saúde da região de Lisboa Ocidental e Oeiras. Além disso, é professora e regente da unidade curricular de Saúde Materna e responsável pelos estágios de saúde materna na ESSATLA (Escola Superior de Saúde Atlântica). Tendo em conta os anos de experiência nesta área, Fátima revela um grande conhecimento em tópicos como os que temos vindo a abordar.
Segundo a enfermeira, os cuidados de saúde têm evoluído muito nos últimos anos e a temática da retoma à vida sexual após o nascimento do primeiro filho é discutida com a grávida e o seu parceiro ao longo da gravidez. Este trabalho é desempenhado pelos enfermeiros nos cuidados de saúde primários, que, de igual forma, realizam os ensinos adequados às necessidades que as grávidas encontram durante a gestação e, também, no puerpério.
Fátima realça que não existe um tempo certo para o casal regressar a uma vida sexual ativa, sendo que “cada mulher é única e a individualidade de cada uma é que conta”. O regresso à atividade sexual depende de cada casal, sendo que ambos têm de se sentir bem e confiantes para esse reinício. Não existe uma data estipulada, visto que nos primeiros tempos a mulher não sente vontade e, portanto, é fulcral que cada casal respeite o seu próprio tempo. “O importante é que o casal se sinta bem, se sinta seguro para fazer a sua retoma da atividade sexual”, afirma a especialista.
Complicações que podem surgir, como o baby blues ou a depressão pós-parto, são cada vez mais discutidas nas consultas pós-parto, de modo a que o casal se mantenha informado de todas as possíveis situações. Segundo Fátima, deste modo, “se envolvermos, se explicarmos, se dermos estratégias para eles lidarem com a situação, a ansiedade e o medo vai diminuir e vão confiar nos profissionais de saúde.” Consequentemente, o casal fica mais à vontade e mais tranquilo no que diz respeito ao regresso da vida sexual. No entanto, isto pode não ocorrer em todos os casos.
A predisposição dos casais relativamente ao regresso à atividade sexual varia de caso para caso, explica a enfermeira. O facto de o homem assistir ao parto também pode influenciar de alguma forma, mas “depende daquela pessoa e depende de como ela se sente preparada para assistir e para ver a realidade do que vai acontecer,” reforçando o fator da individualidade.
A fase inicial, o pós-parto, acaba por ser influenciada pelo que ambos vivenciaram durante a gravidez e o parto. Isto pode afetar de forma negativa ou positiva, consoante as experiências. “Quando as situações ocorrem dentro daquilo que [a grávida] pretendeu e ambicionou, ela e o companheiro, e se toda a vivência foi positiva, no pós-parto eles vão-se sentir confiantes”, esclarece a enfermeira-docente. Por outro lado, quando existe algo que afeta o decurso da gravidez, afirma que os pais acabam por ficar mais receosos no pós-parto. “Quando tudo é linear, tudo corre bem. Quando há desvios da normalidade, estes já vão causar também desvios ao estado de equilíbrio psicológico do casal”, clarifica.
Em relação à questão da amamentação, a visão profissional difere da opinião pessoal obtida. Apesar de Maria Carolina afirmar que os seios perderam o seu cariz erótico, a enfermeira afirma que não deverá ter impactos negativos no ato íntimo: “as mamas podem ser vistas como um objeto sexual, mas a mulher pode amamentar e ter atividade sexual normal,” acrescentando ainda que isto irá depender da intimidade do casal.
As alterações hormonais que ocorrem quer no homem, quer na mulher dão origem a oscilações no desejo sexual de ambos. Consequentemente, como explica a enfermeira Fátima Pereira, a frequência das relações é influenciada. Há, em certos casos, um padrão que se verifica e que pode ser explicado consoante a evolução da gravidez: no primeiro trimestre, “[o casal] evita ao máximo ter atividade sexual”, havendo, assim, uma diminuição do desejo de ambos “pelo receio do que possa acontecer à gravidez”; dos três aos seis meses, a mulher começa a sentir-se melhor com ela própria, uma vez que, ao já ter barriga e ao sentir o bebé mexer, fica mais confiante relativamente à gestação, levando a um aumento do desejosexual; e, finalmente, no último trimestre, verifica-se novamente uma redução da prática de relações sexuais, devido ao aumento da barriga e do constante medo de prejudicar o bebé.
Naturalmente, o desejo sexual do casal altera-se durante o pós-parto. Contudo, é importante que ambos adotem estratégias que tenham em vista a retoma às atividades sexuais, para que, desse modo, a intimidade do casal não passe para segundo plano. Haver formação para a mulher e para o homem acerca deste tema durante a gestação é bastante proveitoso. “Se nós falarmos sobre isto, eles vão perceber que isto é normal e que é normal a atividade sexual ser retomada, e que é normal haver alterações corporais na mulher e diminuição do desejo sexual”, realça a especialista. Posto isto, Fátima afirma que uma das estratégias que considera ser fundamental nesta fase é a mulher “não se esquecer de que existe”. É importante que a mãe mantenha os mesmos hobbies e atividades que outrora realizava, e que não se ocupe apenas com as tarefas domésticas e com os cuidados do bebé. Isso fará com que a mulher não ponha de lado a sua identidade e preserve a sua auto estima e confiança.
Logo após o parto devem ser retomadas as consultas de planeamento familiar. De acordo com Fátima Pereira, “nessas consultas de planeamento familiar, envolvido o casal, tenta-se falar sobre a situação, perceber a normalidade da situação, envolvê-los nessa normalidade e ensiná-los”. Todavia, questiona-se a eficácia da divulgação destas consultas e a adesão às mesmas. “Só fui ao planeamento familiar quando descobri que estava grávida. Não fui depois. Não fomos e nem ouvi nada sobre isso”, afirma Maria Carolina.
A verdade é que, enquanto para alguns casais o apoio médico é crucial para a retoma à vida sexual, para outros o cenário pode não ser o mesmo. A eficácia das consultas, ou até mesmo o conhecimento acerca das mesmas, não é uniforme. Desta forma, é importante realçar que cada caso é um caso e que se trata de um processo que leva tempo. É essencial que nesta fase inicial, após o nascimento do bebé, o casal esteja consciente de que, no meio dos três, os dois não se podem perder.