Revolta

Contra a corrente

E se os valores impostos pela sociedade fossem completamente opostos aos seus valores pessoais?

Catarina Vozone, Heloísa Oliveira, Matilde Jesus

Uma análise de diferentes subculturas e da sua relação com a revolta

Desde a completa rejeição de uma vida em sociedade a simplesmente mudanças na forma de vestir e de estilo de vida, as subculturas lutam pela originalidade e liberdade. 

De acordo com Paula Guerra, Doutorada em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e investigadora, a cultura dominante decreta o que é normal e comum dentro de uma sociedade. Pela complexidade da sociedade, por vezes surgem as subculturas – uma espécie de subdivisões da sociedade, que se regem por regras diferentes.

O conceito de subcultura foi perspetivado nos anos 60 do século XX, como uma forma de fazer face ao sistema vigente. Algumas subculturas chegaram a reunir um grande número de membros, como é o caso dos hippies, dos punks e dos cosplayers. Que papel tiveram e têm na criação de valores na sociedade? Para que é que a sua revolta serviu?

-HIPPIES

-PUNKS

-COSPLAYERS

HIPPIES

“Iniciar a comunidade foi como iniciar quem somos. Somos feitos para salvar a terra, somos feitos para proteger a natureza.”

Paz, amor e liberdade. Foram estes os princípios que moldaram uma revolução. Na década de 60, nos Estados Unidos, vivia-se uma altura de extrema infelicidade entre as gerações devido à guerra do Vietname. Os hippies surgiram com um novo modo de olhar a vida. Foram o primeiro subgrupo que se atreveu a questionar os valores da sociedade e a optar por uma vida diferente. 

Segundo o artigo “O legado das comunidades hippies: um estudo de caso sobre a Woodstock Nation” da Universidade de Coimbra. Os hippies eram normalmente jovens entre os 17 e os 25 anos que desejavam criar uma sociedade baseada nos princípios da Fraternidade e respeito mútuo. Costumavam viver em grandes comunidades.

Apesar do que se pode pensar, o legado dos hippies permanece até hoje. The Farm Community é um exemplo disso. A comunidade hippie, com sede no Tennessee nos Estados Unidos, conta atualmente com mais de 200 residentes.

Douglas Stevenson responde com um sorriso à pergunta se os membros da comunidade ainda se consideram hippies. “Sim. Mas estamos um pouco mais em modo incógnito agora. Já não tenho cabelo comprido, não consigo deixá-lo crescer assim tanto. Mas ainda somos hippies, sim.  Posso manter esse termo porque é uma forma de transmitir às pessoas quem sou e o que há dentro de mim.”

Douglas Stevenson juntou-se à Farm Community quando tinha apenas 19 anos. Era casado com a sua namorada de liceu. Agora tem 69 anos e dois filhos. Viveu sempre na comunidade. Passou seis anos no conselho de administração e oito anos como gerente a supervisionar os projetos de The Farm Community.

Em entrevista, Douglas Stevenson revela a história da comunidade até à atualidade, os princípios e valores pelos quais se decidiram separar do resto da sociedade.

Entrevista completa:

OS PRIMEIROS PASSOS

A comunidade “The farm” foi fundada em 1971. Dá os seus primeiros passos em São Francisco, Califórnia, na reunião semanal “Monday Night Class”, criada por Stephen Gaskin que é, segundo a NYTimes, um dos maiores ícones da subcultura hippie.

Stephen Gasking era professor universitário, quando reparou que muitos dos seus alunos estavam a abandonar a faculdade. Durante o Verão decidiu procurar onde estavam. Descobriria assim os hippies. 

Queria regressar à faculdade, mas tinha-se tornado demasiado hippie para a instituição.

Criou a Monday Night Class, uma forma de transmitir tudo o que tinha aprendido. Segundo Douglas Stevenson, “Ele (Stephen Gasking) tinha um certo carisma e, claro, era também um produto daqueles tempos psicadélicos, por isso estava sintonizado com uma energia superior que lhe dava alguma visão instintiva. As suas palestras foram gravadas, transcritas e transformadas nos dois primeiros livros da comunidade sobre ensinamentos espirituais.”

Stephen Gasking ganhava cada vez mais seguidores. Um grupo foi selecionado para dar palestras à volta do país. Seriam os futuros residentes de “The farm.”

Viajaram durante um ano, em sessenta autocarros. A experiência foi de grande aprendizagem. Tinham de ganhar dinheiro para comida e gasolina. Às vezes as pessoas adoeciam e precisavam de cuidados, além disso, havia oito bebés transportados nesta viagem. De volta à Califórnia, decidiram que precisavam de sítio para viver. Decidiram ficar no Tennesse. O motivo, segundo o entrevistado, foi que o terreno, além de ter um baixo custo era de bom cultivo.

A BUSCA PELA AUTO-REALIZAÇÃO 

“The farm community” assim nasceria; não foi de longe a única comunidade de hippies a surgir na altura. Mas foi uma das maiores, e a que prevaleceu até hoje.

Além dos ensinamentos espirituais, Stephen Gasking deu aos seus seguidores um local para viver da forma que desejavam, segundo os seus próprios princípios e regras. Este foi “o grande despertar”, segundo Douglas Stevenson. Os princípios fundadores da comunidade permanecem até hoje. “Estamos muito perto da natureza, encontramos a paz dentro de nós próprios através desta. Vemo-nos como estudantes da Terra. Isso permite-nos viver em melhor harmonia com os nossos companheiros da comunidade.”, afirma Douglas Stevenson. A forma dos hippies de olhar a vida foi marcada pelos princípios da não-violência e do respeito pela Terra.

Para eles, tudo à nossa volta, ou seja, as nossas relações, o nosso pensamento, as nossas ações, são energia. “Compreendemos que a luz e o som são energia. Também podemos ver o pensamento das nossas vibrações. Esta energia passa num universo invisível que pode ser absorvido pelos outros. Quando entra numa sala sente a energia desta. Se o clima estiver tenso, vai sentir-se tenso. Confiamos na nossa intuição porque somos meios de energia e somos sensíveis à energia.  Aquilo a que dás a tua atenção e energia é o que volta para ti.”, afirma o entrevistado.

As crenças são o que motiva os residentes a viver na comunidade. “O caminho está relacionado aos valores pessoais de cada indivíduo e à forma como nos tratamos uns aos outros, esta é uma verdade essencial. Tudo se baseia em energia. Ou seja, está na forma como tratam o vosso próprio corpo, as vossas relações com aqueles que vos rodeiam, a vossa educação, as vossas competências, o vosso trabalho. Se cuidarem das vossas relações, se seguirem o vosso coração, se forem honestos nas vossas relações e honesto consigo mesmos, então serão guiados para uma vida de realização. Outro aspeto importante é o serviço. Ou seja, saber encontrar uma forma de estar ao serviço daqueles que te rodeiam ou do bem maior da humanidade. Há um ditado que diz que quando chegares ao fim da tua vida, não vais desejar ter passado mais tempo no teu trabalho. Mas se passou tempo a retribuir em serviço e a dar aquilo que lhe dá uma verdadeira realização”, explica Douglas Stevenson.

Apesar das crenças pacíficas, os ideais dos hippies não ficaram passíveis de críticas. Muito pelo contrário, eram constantemente alvo de julgamento pelos media. A comunidade lutou para preservar o que tinha e todos os residentes trabalham de forma organizada para o manter. Contudo, um hippie trabalhador e esforçado não coincide com a visão que a sociedade tem da subcultura. “Tivemos uma equipa de filmagem da Coreia que chegou há cerca de quinze anos e passaram uma semana na quinta. No final, disseram-me que tinham mudado o título do programa para “There are no hippies in the farm” (Não há hippies na quinta).  Porque, mais uma vez, tinham presente o estereótipo de hippie”, conta Douglas Stevenson. “Os hippies são descritos muitas vezes como preguiçosos, irrealistas e mesmo como “drogados”. Alguns jovens estão naquilo a que chamamos “hippie denial” devido aos preconceitos com o termo.”, acrescenta o entrevistado. Ou seja, jovens que cresceram na comunidade não querem ser identificados pelo termo. “Um amigo meu disse, as pessoas pensam que os hippies são preguiçosos. Os hippies são pessoas que trabalham arduamente por algo em que acreditam.”, afirma Douglas Stevenson.

Sem trabalho, a comunidade não sobreviveria. Além de livros que bateram as vendas, a comunidade é conhecida pelo seu programa de Midwifery.

Algo que os hippies aprenderam na grande viagem foi dar à luz os próprios filhos sem recurso a hospitais. Nasceria um dos programas mais famosos de “The farm”, o Midwifery. “A minha mulher é uma das parteiras e a minha filha é parteira em formação. Ontem à noite, apanhou a cabeça e um dos seus colegas ajudou a dar à luz o resto do corpo, o cordão foi enrolado duas vezes à volta do pescoço e assim ela foi capaz de desembrulhar o cordão com as habilidades que aprendeu na sua formação e com o livro que escrevemos: parteira espiritual,” conta Douglas Stevenson.

Apesar dos negócios, a comunidade teve de passar por várias mudanças desde a 1971.

O número de residentes aumentava cada vez mais e a comunidade começou a ter os seus primeiros problemas em 1980, durante uma crise petrolífera e recessão. “O custo da gasolina disparou, a indústria da construção civil basicamente parou, e era graças a estas indústrias que ganhamos o nosso dinheiro. Por isso tínhamos contraído vários empréstimos junto de bancos. Além disso, não utilizamos seguros de saúde porque pensávamos que devíamos apenas cuidar uns dos outros, mas ocasionalmente as pessoas tinham de ir ao hospital por algo sério.”

Os residentes estavam desmotivados e desiludidos pelo endividamento da comunidade. Um dos hospitais da comunidade tinha uma dívida de cem mil dólares e colocou um penhor sobre o terreno, por outras palavras, se não a dívida não fosse paga, perderiam a sua casa.

A comunidade teve de se re-transformar, passando para uma economia comunitária.” Todo o dinheiro foi transformado num banco central para uma economia mais cooperativa, onde cada um era responsável pelos seus próprios rendimentos e pagava cerca de cem dólares por mês à comunidade para a gestão das operações. “Pagamos a dívida em três anos. A terra é livre e está sob um fundo para que nunca possa ser subdividida ou hipotecada.”, afirma o entrevistado.

The farm community segue também um sistema de equidades. “Não sou proprietário da minha própria casa. O sistema de equidade permite-me deixar esta casa a outro membro se eu, por uma razão ou outra, me senti inclinado a deixar a comunidade.”, explica Douglas Stevenson.

Possuem por volta de vinte edifícios públicos diferentes que todos ajudam a manter: Um centro comunitário, uma escola, um edifício de lojas e uma clínica. São governados por um conselho de administração de oito ou sete pessoas e um comité de seis. Estes são cargos eleitorais que servem mandatos de dois a três anos. 

A escola da comunidade é privada, os pais pagam uma propina para enviar os seus filhos. Algumas pessoas fazem uma troca de trabalho. Ou seja, trabalham na escola em troca dos seus filhos frequentarem.  A escola é muito menos restrita do que a escola pública típica. As crianças têm mais liberdade de expressão.

Os residentes podem mudar de escola e ir para uma escola pública se precisarem devido a mudanças familiares ou para poderem entrar na faculdade. O entrevistado afirma que a maioria das crianças da comunidade que seguem uma educação universitária descobrem que se saem bastante bem.

Segundo Douglas Stevenson, o emprego na comunidade segue um princípio budista, segundo o qual o trabalho de cada um tem de estar alinhado com os seus ideais. Há uma grande diversidade de trabalhos que os residentes exercem, destacando-se o de médico e enfermeiro.

A estrutura da comunidade assegura a estabilidade para mais de duzentos residentes.

É assim que a comunidade se mantém até hoje, vivendo fora da sociedade. A própria existência dos hippies é uma revolta em si, decidiram ir totalmente contra a maneira de funcionamento da sociedade.

Esta revolta não exigiu sentimentos de vingança ou de negatividade, foi uma revolta “positiva” como o entrevistado afirma, com base na paz e no amor.

PUNKS 

“Passados dois anos de emergir, já se dizia que o punk tinha acabado, mas o que é certo é que o punk até hoje não acabou. Ele vai morrendo, vai ressuscitando” -Paula Guerra, Doutorada em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e investigadora.

Da revolta contra uma sociedade vigente, um sistema fascista, surge o punk, em meados dos anos 70 do século XX, como forma de revolta face ao Governo britânico que enfrentava um período de forte crise económica e que, mais tarde, espalhou-se pelo mundo todo. 

“O punk é, sobretudo, um modo de vida, uma atitude, uma estética, estilo, é uma música, para além de fazer face à sociedade existente” – afirma Paula Guerra, Doutorada em Sociologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e investigadora.

A banda Sex Pistols surge em 1975 na cidade de Londres – a banda de punk rock inglesa foi responsável por introduzir o movimento punk no Reino Unido, e mais tarde, no mundo todo.

A música” God Save the Queen” dos Sex Pistols foi lançada em 1977, durante o Jubileu de Prata da Rainha Elizabeth II, e rapidamente se tornou um hino para a juventude britânica desiludida com a monarquia e a sociedade vigente. A letra da música critica a monarquia e o governo, enquanto a melodia agressiva e a voz de Johnny Rotten é visto como uma forma de revolta contra a sociedade. Embora tenha sido banida de muitas estações de rádio e lojas de discos na época,” God Save the Queen” é considerada um marco na história da música punk e continua sendo uma das músicas mais icônicas do movimento até hoje. 

God save the queen

The fascist regime

They made you a moron

A potential H bomb

God save the queen

She’s not a human being

and There’s no future

Sex Pistols – God Save the Queen 

O PUNK ATUALMENTE – THE VISION DAYS

Como prova viva da perpetuação da cultura Punk, a banda da República Checa: The Vision Days. Em entrevista, a banda detalha os aspetos característicos da cultura punk e como esta se continua a manifestar nos dias atuais.

Banda The Vision Days em concerto
Fonte: The Vision Days

A banda é composta por sete membros. O vocalista e guitarrista Ian, o baixo Mira, o guitarrista Kretk, Sanchez no acordeão, o baterista Dominik, Pavel o acordeonista e por vezes o Tomas como vocalista secundário. 

O vocalista principal, Ian, faz parte da banda há 33 anos. Trabalha atualmente numa empresa de engenharia para além de tocar guitarra elétrica e cantar na banda. Ao fazer uma breve apresentação sobre quem é, destaca que: “realmente odeio fascismo, nacionalismo e guerra. Gosto de pessoas gentis, de todos os lugares do mundo, independentemente da cor da pele ou da nacionalidade, eu não me importo.” Com esta introdução, é fácil perceber os valores da subcultura punk.

Com apenas 15 anos Ian formou a banda. O primeiro concerto foi após um ano e meio. Hoje, estão na primeira liga da música punk da Chéquia, com cerca de 80 concertos por ano. “Fizemos nove CD’s e cerca de 13 videoclipes, e o nosso estilo musical varia entre punk, ska-punk, reggae, gótico e o hardcore punk. O principal, obviamente, é o punk.”, conta em entrevista.

Confira a entrevista com o vocalista do The Vision Days abaixo.

1. Vocês consideram-se “punks”?

R: Claro! Mas penso que somos um pouco diferentes dos outros, fazemos as coisas de uma outra forma. Eu chamo de “punk absoluto”: nada de álcool, nada de cigarros (nem drogas, obviamente), apenas tentar ser bom para as outras pessoas.

2. O que faz de alguém um “punk”? 

R: Não há regras, pelo menos da minha parte. Se tu te consideras punk, és punk: Para mim, tudo se trata de liberdade. Mas, se quiser algumas regras, um punk deve gostar de música punk, talvez da forma de se vestir (cabelo despenteado ou mohawk, correntes, etc), mas nada disso importa. O importante mesmo é considerar a si mesmo punk. Cada pessoa pode-se sentir à sua maneira.

3.O que é que a subcultura “punk” representa? Quais são os seus valores e crenças?

R: É muito difícil dizê-lo conclusivamente. O básico ainda é a liberdade de expressão, luta contra o fascismo e o racismo, contra a guerra e a violência. Hoje em dia é um pouco diferente de antigamente, acho que está cada vez mais na moda do que lutar a favor ou contra alguma coisa. Talvez eu esteja errado, mas é como eu sinto. Então, como você está pedindo crenças e valores, estou convencido de que em nossa comunidade há mais pessoas sábias e educadas do que nas outras comunidades. Porque a crença principal é a liberdade e essa pertence a pessoas sábias. Um exemplo: estamos organizando todos os anos um grande festival punk, com público em torno de 2.500 pessoas. E não há brigas, nem discussões, nem problemas durante o festival. Se você for a algum lugar na discoteca, ou festa dançante com 50 atendentes provavelmente verá algumas discussões, brigas, problemas. Então é isso que considero valioso nesta comunidade. 

4. “Punk” é apenas um estilo ou é um estilo de vida?

R:  Os dois, depende de cada indivíduo.

6. Diria que a maioria das pessoas não conhece a cultura “punk” e acaba por criar estereótipos?

R:  Com certeza. Conheço muitas pessoas ao meu redor que me consideram uma má pessoa que faz coisas ruins e depois que me conheceram ficaram muito surpresos com quem eu sou e como penso e vivo. Eu tive o mesmo problema no trabalho. Meu chefe pensou que eu não era confiável, um mentiroso e tudo mais. Agora sou chefe de produção e ele sabe que sou o homem no lugar certo. 

7. Como é o dia-a-dia de fazer parte de uma banda “ska-punk”? 

R: Incrível. Eu gosto muito, com todo o meu coração. Esta é minha vida. Bem, é muito difícil, todo fim de semana fora de casa fazendo shows. Muito trabalho, todos os dias tenho que fazer muitas coisas junto com a banda. Tipo, responder e-mails, entrevistas, fazer músicas, preparar mercadorias em nossa e-shop para despacho, escrever letras, ensaios, manutenção de equipamentos, negociar shows e etc.

8. A banda tem planos para o futuro? 

R: Sim, muito. Este ano faremos duas turnês com duas bandas amigas na República Checa, Eslováquia e algumas na Alemanha. Além de muitos festivais e shows solo. Vamos revelar 2 novas músicas e videoclipes. Estamos também organizando nosso festival e fazendo algumas outras músicas para nosso novo CD planejado para 2024. Será um ano muito agitado. 

Já se směju rád lidem jak jste vy

A to my dává sílu vstát ráno s novou nadějí

Já se směju rád, smích je totiž lék

Na všechny špatný věci, na nenávist a vztek

(Tradução feita pelos membros da Banda: Eu gosto de rir de pessoas como você

E isso nos dá força para levantar de manhã com uma nova esperança

Eu gosto de rir, porque rir é remédio

A todas as coisas ruins, ao ódio e à raiva)

The Vision Days – Směšná

COSPLAYERS Foi em 1939, na 1ª WorldCon – a mais antiga convenção de ficção científica existente – que os americanos Forrest J. Ackerman e Myrtle R. Douglas decidiram vestir-se baseados no filme “Things to come”, dando início à tão conhecida subcultura do cosplay. Somente mais tarde é que o termo se tornou conhecido: com a explosão de animes – animações gráficas japonesas desenhadas à mão – em meados dos anos 90 do século XX. Milhares de encontros de animes começaram a ser realizados no Japão e em todo o mundo, onde as pessoas vestiam-se e interpretavam a personagem por elas escolhida. Na subcultura do cosplay, o assédio e preconceito por parte da sociedade ainda são uma realidade. Algumas pessoas encontram no cosplay uma forma de se expressar e se rebelar contra as normas sociais, já que muitas vezes os personagens de cosplay são considerados “estranhos” ou “diferentes” em relação aos padrões estabelecidos.

AS MÚLTIPLAS PERSONALIDADES NO COSPLAY

A cosplayer – termo atribuído a quem pratica o cosplay – Rita Tavares, de 26 anos, começou no cosplay não muito cedo: “Normalmente há sempre alguém que nos puxa para a comunidade”, Rita Tavares não foi exceção. Foi a sua melhor amiga, que já fazia cosplay há mais de dez anos, que a introduziu nesse mundo, ensinando tudo o que ela precisava saber.

“O cosplay é tentar aproximar-me o mais possível a uma personagem. Eu pelo menos tento, através dos meus materiais, ser o mais realista possível e mais fiel. Eu gosto de levar-me ao limite a ver quanto é que eu consigo me aproximar daquela personagem que eu gosto mesmo”, explica Rita Tavares.

Foto da Rita Tavares de cosplay. Legenda: Brigitte do jogo Overwatch, foi o seu primeiro cosplay e a personagem a que tem mais carinho. 

Já participou num concurso em grupo num evento pequeno em que ganhou uma menção honrosa. Recentemente, foi jurada no concurso de cosplayers na Lisboa Games Week, mostrando que o cosplay vai muito além de fatos e atuações, para prêmios pela competência e dedicação.

O ESFORÇO QUE GERA RESULTADOS

O cosplay trouxe a Rita Tavares a oportunidade de trabalhar com a marca Playstation que a convidou para fazer o fato da Aloy, uma personagem de um jogo que lançaram no ano que passou – Horizon Zero Dawn.

Em Portugal, o cosplay tem ganho cada vez mais relevância. “O cosplay é, sem dúvida, uma subcultura que está a crescer cada vez mais em território nacional. Há uns anos, todos os cosplayers se conheciam, porque eram poucos, mas agora em cada evento aparecem caras novas – o que é bom, porque assim as pessoas começam a conhecer o cosplay e a respeitar, porque as pessoas não respeitam o que não conhecem, talvez se conhecessem um bocado mais, começavam a ter outra atitude”, revela Rita Tavares.

O COSPLAY E A REVOLTA

A cosplayer relata que as pessoas ou não conhecem a prática e acham algo bonito, ou não conhecem e não conferem seriedade à prática. Para além dos preconceitos, o assédio, segundo Rita, “acontece a todos, tanto homens quanto mulheres”. 

Apesar de os fatores negativos de julgamentos alheios e também das dificuldades que o cosplay acaba por trazer a vida de quem pratica, Rita finaliza de forma positiva e gratificada, e avalia a relação do cosplay com a Revolta: “O cosplay é um desejo de viver um bocadinho na pele das personagens que gostamos. É um escape à realidade”.

Para os hippies, a revolta surge de forma pacífica e isolacionista, contra a sociedade e seus valores vigentes, baseados nos princípios de paz e compaixão. Eles transformam, assim, o significado da palavra revolta em algo positivo, conectado à natureza e às suas crenças. Enquanto que , o movimento punk é conhecido por sua alta energia e emoções intensas, bem como por sua postura contrária às formas convencionais de autoridade em relação à mudança social. O cosplay surge como uma forma de escape à realidade. De certa forma, tal pode ser visto como uma revolta pelo desejo de fugir à sociedade e viver num mundo paralelo ao seu. «Nós, como pessoas, estamos revoltadas», diz Rita. Revolta está contra o assédio, o preconceito e o não serem aceites pela sociedade predominante.

“A ideia de subcultura consiste em perceber como é que o jovem, através do seu estilo, das roupas que vestiam e das músicas que ouviam se opunha numa lógica de resistência à sociedade vigente, isto é, eles não tinham o anseio de ser uma alternativa à sociedade vigente, mas sim apresentar uma espécie de ‘submundos paralelos’ à essa sociedade”, afirma a docente Paula Guerra.

Seja como hippie, punk, cosplayer, ou qualquer outro tipo de divergência contra uma cultura mainstream, ainda sim, todos possuem um ponto em comum: a revolta. Não com o objetivo principal de modificar, a todo o custo, algo que já existe, mas sim de forma a conquistar o seu direito de manifestar, de formas muito diversas, a sua oposição aos valores da sociedade vigente. 

Mesmo com todos os preconceitos existentes, as subculturas têm um grande papel no questionamento e mudança dos valores em sociedade, já que são formadas por aqueles que se atrevem a ir contra o que está imposto.