Pressão e Tabu

Ser influencer é fácil? O retrato do outro lado das redes sociais

Ao acordar, nos transportes públicos, entre aulas ou nas pausas de trabalho, depois de jantar e antes de deitar: são várias as ocasiões ao longo do dia em que se usam as redes sociais. Seja para entreter ou para informar, estas plataformas estão cada vez mais enraizadas no nosso ser. E quem é que seguimos? Que conteúdos consumimos? 

Ana Sofia Cunha, Filipe Torres, Gonçalo Martins, Miguel Tomás

O leque de publicações e perfis é variado. Quem está por detrás dele são, em muitos casos, internautas que pretendem fidelizar uma audiência e ganhar visibilidade. Para isso, procuram lançar regularmente conteúdos. Numa altura em que é generalizado o acesso às redes sociais, todos sentem que podem dar a sua opinião – ainda que por vezes não seja dada de uma forma cuidada e construtiva. Os criadores de conteúdo, genericamente conhecidos como influencers, têm a sua própria pressão por terem de corresponder às expectativas dos fãs, ao mesmo tempo que procuram expandir a sua influência e aliar-se a marcas. 

Explorámos o mundo digital com os olhos de quem produz conteúdos. A Narrativas conversou com especialistas e dois criadores de conteúdo, cujas opiniões e experiências permitem compreender vários aspetos das redes sociais: a relação entre influencers e marcas, o feedback recedido pelo conteúdo criado, a percepção da sociedade em relação a estes e o seu processo criativo.

Receita para o sucesso: a identidade e o processo criativo

A criação de conteúdos implica um processo criativo que nem sempre é fácil para os chamados influencers. A dificuldade em afirmar a sua identidade como content creators e a pressão para ter visualizações pode levar a que recorram às tendências e sacrifiquem a sua genuinidade.

Os conteúdos produzidos e publicados pelos influenciadores espelham para o público a identidade e empenho dos mesmos. Uma forte presença nas redes sociais, a necessidade de ser inovador e a exigência para manter a regularidade nas publicações são fatores que geram bastante pressão em quem cria diariamente conteúdos para a Internet. 

Tomás Silva // Fotografia cedida por Tomás Silva

Tomás Silva


Tem 22 anos e está presente no Instagram (perto dos 60 mil seguidores), no Youtube (174 mil subscritores), no Twitter (29 mil seguidores) e no TikTok (15,7 mil). Cria conteúdos como séries, sketches, vlogs e vídeos de opinião. Atualmente é estudante do último ano da licenciatura em Publicidade e Marketing na Escola Superior de Comunicação Social.
Em 2017, foi galardoado com o prémio “Youtuber Revelação” e em 2019 venceu o prémio “Internet Star Favorita”, atribuído pela Nickelodeon Portugal.

Tomás Silva afirma, sem quaisquer dúvidas, que o YouTube constitui o seu principal foco, mas procura acima de tudo não se deixar absorver pela pressão do mundo digital: “Eu tento é não dar o peso que o meu trabalho e influência tem, porque sei que isso me iria consumir e iria chegar a um ponto em que eu ia estar a fazer coisas mais para os outros do que propriamente para mim e ia perder a minha genuinidade ou a inocência da coisa”. 



O youtuber fala-nos da sua experiência a lidar com a pressão para publicar conteúdos interessantes para o seu público sem perder a genuinidade. Tomás publica conteúdos no YouTube, nomeadamente vlogs, Q&As e sketches, tendo recentemente começado a sua produção de conteúdo na rede social TikTok. “Penso que sermos o mais naturais e o mais genuínos possível para com as pessoas que nos estão a ver é sempre o mais importante”, afirma Tomás Silva. 

Beatriz Freitas-Branco // Instagram @beatriz.freitasbranco

Beatriz Freitas-Branco


Criadora de conteúdo de moda, beleza e lifestyle. Com 23 anos, conta, até ao momento, com mais de 7 mil seguidores na rede social Instagram e 12 mil subscritores no YouTube. Iniciou o seu percurso nas redes sociais através de um blog, mas rapidamente passou a utilizar o formato vídeo como meio privilegiado de comunicação.

Depois de terminar a licenciatura em Jornalismo na ESCS, passou pela redação da empresa News Farma e frequentou o curso de especialização profissional de Apresentação em TV e Rádio na World Academy. Atualmente trabalha a tempo integral na área de conteúdos de marketing na Draft Media Agency.

Por sua vez, Beatriz Freitas-Branco conta-nos que criou o canal em 2017 para “desbloquear” o medo de olhar para a câmara e desenvolver as suas capacidades comunicativas. Fê-lo enquanto era estudante de Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social. Uma vez que pretende seguir a área de apresentação televisiva ou radiofónica, Beatriz encara os números que obtém nas redes sociais como importantes para um aumento de visibilidade que a poderia catapultar para a área onde pretende trabalhar. 

Após três anos, o canal continua a ser apenas um hobby para Beatriz, sendo que a jovem concilia diariamente a criação de conteúdo para plataformas digitais com o seu trabalho. Contudo, este hobby é feito com o máximo de profissionalismo possível, sem nunca esquecer a audiência que está do outro lado: “Sem dúvida alguma é um cantinho, é o meu espaço, é onde eu gosto e me sinto confortável de estar, tenha muitas visualizações, que corra muito bem, tenha menos num vídeo que corra mais “assim assim”. Não quero saber.”

Além de vlogs e vídeos de beleza e lifestyle para o YouTube, Beatriz Freitas-Branco produz igualmente conteúdo para a rede social Instagram. “A Beatriz criadora é muito perfeccionista, é uma pessoa que aprendeu tudo sozinha desta coisa de edição, porque não basta ser uma pessoa comunicativa depois tenho que tornar aquilo que gravei em algo interessante para quem vê”, diz a influencer.

“Reclamar é gratuito”. A difícil gestão de feedback

O feedback é muito importante para o trabalho de um criador de conteúdo. Porém, é também um fator que causa grande pressão. Existem várias razões que originam comentários negativos, por vezes maldosos – estes conhecidos como hate.

O feedback é um dos moldes que potencia a criação de conteúdo. Se umas vezes, os criadores recebem apoio e carinho de quem os segue, outras vezes recebem o chamado hate. Este é um dos grandes fatores que causam muita pressão a estas figuras. Porém, o hate não é um conceito muito presente no percurso de Beatriz Freitas-Branco e Tomás Silva como influencers

Segundo um estudo realizado por uma equipa do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE, 44,7% dos jovens inquiridos com idades entre 16 e os 34 anos disseram que passaram seis horas por dia a navegar na Internet. A maior parte foi nas redes sociais (94,8%). Da amostra, 61,4% disseram que foram vítimas de cyberbullying pelo menos algumas vezes, no período de ensino à distância. 

Na opinião da psicóloga Inês Esteves, o cyberbullying tem origem na falta de empatia que ainda existe na nossa sociedade. As pessoas que comentam não conseguem perceber que a sua opinião está a afetar alguém. Mas será que esta “agressão online” vai continuar a ser uma das principais preocupações na nossa sociedade? 

Influencers: são bem-vistos em Portugal?

As redes sociais são bastante utilizadas em Portugal e por isso há cada vez mais criadores de conteúdos portugueses. Porém, os influenciadores também têm dificuldades em manter uma boa imagem devido à pressão feita pela sociedade.

Desde o surgimento da primeira rede social, ClassMates, que as redes sociais têm-se implementado nas vidas das pessoas. Já surgiram várias plataformas, como o Facebook, o Twitter, o Hi5, o Instagram, entre outras. Desta forma, as pessoas estão cada vez mais informadas sobre aquilo que acontece no mundo. 

De acordo com um estudo realizado pelo Grupo Marktest sobre a avaliação do comportamentos dos portugueses nas redes sociais, com o título Os Portugueses e as Redes Sociais 2020, as fotografias e os vídeos são os conteúdos mais apreciados nas páginas de figuras públicas nas redes sociais. Os influencers, muitas vezes denominados de criadores de conteúdos, dependem muito das fotos e dos vídeos devido à base de visualizações. Necessitam disso para obter rendimento. 

Ora, os criadores de conteúdo precisam de ter cuidado com o seu discurso, pois eles têm uma responsabilidade social. Foi esse um dos testemunhos de Beatriz Freitas-Branco. A influencer diz que no último ano houve vários criadores de conteúdo que fizeram vídeos sobre movimentos sociais de forma a criar publicações informativas.

Apesar de não ter feito qualquer vídeo sobre isso, a criadora de conteúdo gostou muito das iniciativas dos outros influencers. “Se calhar também devido à profissão que eu segui, ao curso que eu tirei, jornalismo, temos que ter mais os pés assentes na terra e não só ligar uma câmara e falar. Acho sempre que temos de pensar antes, portanto quando os assuntos são muito sensíveis, como tivemos lá está muitos este ano, eu não gosto de me abster porque puxa somos todos pessoas, todos temos a nossa opinião, mas acho que não sou ninguém para estar a ligar uma câmara e estar a falar de coisas mais sérias, gosto mais de ficar no meu canto”, afirma Beatriz Freitas-Branco. 

Para Tomás Silva, um criador de conteúdos com 174 mil subscritores no Youtube, os influencers podem dar as suas opiniões, mas têm de ter cuidado com o que dizem, pois devem ter consciência e o discernimento para dar a sua opinião de uma forma válida. O jovem também tem consciência de que os criadores de conteúdo são vistos de uma forma negativa em Portugal. Afirma que isso acontece pelo conteúdo que é mais exposto à sociedade, o que é negativo para os influencers. Além disso, o criador de conteúdo afirma que o seu objetivo, e o de muitos outros, é elevar a plataforma Youtube, o mercado e o bom conteúdo em Portugal. 

O trabalho dos criadores de conteúdo também não é somente acompanhado por jovens. Há várias pessoas de diversas idades e profissões que acompanham o trabalho dos influencers. Agora, procuramos também saber de que forma as redes sociais e os influencers são importantes para a sociedade. Para isso, encontramos os testemunhos da psicóloga Inês Esteves e da socióloga Ana Jorge.

Criadores e marcas de mãos dadas

Ana Jorge // LinkedIn

Ana Jorge


Socióloga, investigadora Sénior no CICANT e Professora na Universidade Lusófona. É licenciada em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa, com mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação no ISCTE-IUL, e ainda, doutorada em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa. Trabalha principalmente as áreas dos Media, celebrity cultures e cultura digital, tendo também participado em projetos, tais como, EU Kids Online, RadioActive101, COST Actions Transforming Audiences e DigiLitEY.

Inês Esteves // LinkedIn

Inês Esteves


Psicóloga, com licenciatura e mestrado na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Em regime de Erasmus, frequentou o curso de psicologia na Universidade de Huelva, em Espanha.

Trabalha essencialmente na área da educação e psicologia infantil e Juvenil, exercendo como psicóloga de educação, desenvolvimento e aconselhamento na Câmara de Cascais. É autora de várias publicações e marca presença em projetos relacionados com o cyberbullying e com motivação emocional.

As redes sociais trouxeram um mundo de oportunidades para as empresas promoverem os seus produtos e serviços. Os criadores de conteúdos são a chave do mundo da publicidade digital.

A tecnologia já faz parte de nós – o mesmo estudo realizado pelo Grupo Marktest, em 2020, indica que os portugueses passam 96 minutos por dia nas redes sociais. Esse tempo sobe para 135 minutos (duas horas e 15 minutos) quando falamos da média dos jovens. Os dados foram recolhidos entre 1 e 14 de julho de 2020 e de acordo com uma amostra de 807 questionários online realizados por indivíduos com idades entre os 15 e 64 anos. 

Com este tempo gasto, as empresas têm nas redes sociais uma montra para os olhares dos internautas. Entre as páginas das empresas e os seus posts patrocinados, que aparecem no feed, surge a figura do influencer. Em Portugal, essa figura remonta aos bloggers e ao boom dos blogs em 2012.

“Era muito à base dessa plataforma, embora com a rede social Facebook a tentar alavancar também por aí, com a ascensão do Instagram e depois de uma ecologia das redes sociais: haver várias que se complementam e gladiam. Nós tivemos no Youtube os vloggers ou youtubers. Há também a figura do instagrammer e então começa a aparecer esta ideia de digital influencer do inglês. Claramente do inglês, porque esses próprios criadores que andavam por várias redes recebiam essa designação por associação a alguma marca. Posso dizer que tenho ideia de ter visto uma das primeiras vezes aqui em Portugal isso a ser usado quando a Adidas usou como embaixadores alguns bloggers. As pessoas diziam ‘sou digital influencer‘ com a Adidas”, afirma a socióloga Ana Jorge, co-autora do estudo I am not being sponsored to say this: a teen youtuber and her audience negotiate branded content, juntamente com as investigadoras Lídia Marôpo e Thays Nunes. 

Ana Jorge realça o conceito de self-branding, importante para tornar o influencer um nome forte para atrair marcas: “Um aspeto que podemos de facto refletir sobre as redes sociais é como incentivam o self-branding. Que nós não só façamos o culto do ‘eu’ como em certos aspetos tentemos criar uma marca da nossa identidade pessoal. É individualismo praticado realmente por cada um: cada um mostrar um grande culto do indivíduo, do pormenor, do quotidiano e também de uma estilização que vem desse quotidiano”. 

É importante manter a relação entre o seguidor e o influencer porque só assim é possível manter o interesse das marcas. “As redes sociais foram criadas com o intuito de criar alguma proximidade. As marcas usaram isso e tiraram proveito de pessoas que têm alguns seguidores e que possam ter alguma influência para que as pessoas, com ou sem patrocínios, possam comprar ou levar ação de adquirir algum produto”, refere a psicóloga Inês Esteves. 

Beatriz Freiras-Branco acredita que está no “campeonato” dos micro-influencers, mas não vê isso como uma desvantagem. “Sendo micro-influenciadora tenho um contacto muito mais pessoal, muito mais direto com os meus seguidores. Consigo responder às mensagens, tenho tempo para eles, consigo falar mais com eles do que um macro-influencer. Portanto, às vezes, as marcas procuram isso porque sabem que mais facilmente o produto que eles têm vai ser transmitido e vai ser passado para os seguidores daquele micro-influenciador”, conta a criadora, que está presente no Instagram e no YouTube.

São duas redes consideradas como as mais mercantilizadas e onde os influenciadores digitais têm um maior destaque, sobretudo no público jovem. É precisamente o YouTube a rede social das micro-celebridades. Desde 2006 que a plataforma trabalha em estratégias para impulsionar os conteúdos dos seus utilizadores. A afirmação é das investigadoras Barbara Janiques de Carvalho e Lídia Marôpo, feita no estudo Tenho pena que não sinalizes quando fazes publicidade. Continua a ser das redes mais rentáveis e onde as marcas procuram aliar-se aos youtubers. Ao trabalhar o self-branding e o sentimento de identificação com o público, existem criadores que apostam na criação de uma atmosfera híbrida, isto é, a junção de conteúdos pessoais e comerciais para criar a ideia de que o vídeo tem uma recomendação espontânea ou não é patrocinado.

Créditos fotografia de capa // Freestocks.org no Pexels